Brenda @caminhanteliterario 11/03/2024Esse tipo de história é sempre das mais difíceis de classificar, não sei expressar diretamente se gostei ou não. Segunda guerra é um tema forte, que traz muita reflexão sobre o que o ser humano é capaz, principalmente quando influenciado pelo meio. Mas acho que estava esperando uma história com mais dinamismo, carga dramática e acontecimentos. As alegorias feitas aqui são belíssimas, a escrita bem bonita, e existe uma construção gradativa da maturidade dos personagens que é muito bem feita. No entanto é um livro lento a beça, e que em muito capítulos parece não acontecer nada, com uma escrita floreada que trasmite muito bem sentimento, mas não acontecimentos. Entendo a proposta, só que de certa forma a experiência de leitura foi bem arrastada, principalmente por conta dos capítulos curtos em que há muita poesia e pouco enredo.
Por outro lado, quando me pego refletindo sobre esse livro muita coisa me vem a mente. É um história recheada de metáforas e existe muita perspicácia em criar algo assim.
Não sei se é uma boa representação do que foi a Segunda Guerra ou se de alguma forma foi gourmetizada, mas livros nesse contexto sempre me fazem pensar que não existem ganhadores num conflito. A população sempre sofre e é interessante ver essa perspectiva no cotidiano de Werner e de Marie. Na linha narrativa do passado ela tem uma vida feliz e tranquila, enquanto Werner se vê limitado a pobreza do orfanato. Já a linha do tempo intermediária vemos werner num momento mais confortável na escola, enquanto marie vive um estado de medo, incerteza e escassez. Pulando pro ponto presente acompanhamos ambos sofrendo as consequências da guerra. Não há como sair ileso, sem dor, perdas ou traumas.
Outra coisa que me peguei pensando enquanto lia a perspectiva alemã de Werner foi sobre como é quase impossível fazer a coisa certa quando a comunidade ao seu redor prega o inverso e pune quem sai da linha. Werner está historicamente do lado errado, mas o livro apresenta uma visão em que ele é em parte consequência do coletivo. Ainda sim suas ações contribuíram com um governo que massacrava inocentes. Então qual o peso de sua culpa? Difícil julgar. Frederick paga por saber no que acreditava, sem poder desistir já que seu destino estava selado. No final das contas que diferença isso fez? Quando a dominação de um governo é tão brutal, é aceitável se alienar pra sobreviver?
E então temos as metáfora. São muitas mesmo e acho que cada leitor vai enxergar e interpretar de uma forma. Já começamos com o título “ Toda luz que não podemos ver” numa história em que Marie é cega e Werner obcecado pelos rádios. Ela consegue enxergar muito além e entender do mundo e do coração das pessoas mesmo sem poder ver nada. Já Werner é tocado pela mensagem que se transmite pelo ar sem que ninguém possa de fato vê-la, e o quanto isso abre seu olhar pra novas possibilidades .
Gosto muito da construção do amadurecimento do rapaz que é feita de forma gradativa. Ele se vê aterrorizado pela ideia de ter o ser destino selado nas minas, e seu sonho é poder aprender mais sobre ciência. Acredito que ele não tenha medido consequência quando a porta de saída se apresenta. Werner promete a irmã que não será como os outros rapazes, mas de alguma forma o creme do bolo na casa do oficial não deixa de representar sua corrupção. E quando ele pula na bandeira no teste físico é como uma alegoria pra entrega total de si ao nazismo e qualquer resultado que isso trouxesse. A vida dele não o pertence mais, mesmo que ainda não tenha percebido. No período da escola Werner encontra a possibilidade de vivenciar a ciência como sempre quis e foi interessante ver aos poucos ele percebendo o peso do que aquilo tudo envolvia. De alguma forma ele sentia que estava fazendo algo errado. Sua amizade com Frederick é o que mais claramente o faz entender a crueldade ao seu redor, é o que mantem seu pé no chão. Já em Volkeimer ele enxerga que outras pessoas eles teriam sido se não fosse a guerra. Já é tarde demais quando ele se dá conta do que está fazendo e onde se meteu. O ápice é quando matam a menina e a mãe e é quando ele finalmente entende que precisa fazer de diferente. Junto com a gravação transmitida por Marie que o transporta a quem era na infância, ele decide tomar uma decisão moral própria pela primeira vez. O final do personagem é um dos mais tristes. Até tentei entender a mensagem por trás dele buscar a casinha e a chave no final, mas em vão.
Por outro lado Marie com seu deslumbramento pela natureza e principalmente pelos moluscos representa a resistência. De alguma maneira ela sempre encontra uma forma de lidar com a adversidade que se apresenta, não como uma corajosa, mas como perseverante. A concha é a alegoria da sua tenacidade, ainda que por dentro ela seja sensível e delicada, assim como os molusco. Tanto ela quando Werner se deslumbram com o mar, que a meu ver traduz a liberdade e a grandiosidade da vida.
Já o pai de Marie tenta proteger a filha dentro de casa, assim como tentou proteger a pedra dentro da casinha de madeira. E a pedra é a maior das simbologias. A meu ver, ela seria a representação da própria guerra, do quanto todos ao redor pagam o preço pela decisão de poucos. E a obsessão que o poder da pedra cria, assim como Hitler esteve obcecado com sua doutrina ariana, custasse o que custasse.
O livro é recheado dessas metáforas e tenho certeza que se relesse enxergaria diversas outras. Como quando Volkeimer e Werner estão soterrados e é essa conexão invisível no meio da escuridão que salva suas vidas. Ou a maquete de Daniel sendo uma representação asséptica do mundo real. Todo a história se revela por trás daquilo que não podemos ver. Existe muita genialidade nessa construção.
Não posso deixar de ressaltar a Madame Manec e sua urgência em não ficar de braços cruzados sendo um contraponto a Etienne que leva um tempo pra entender que precisa lutar pelo que acredita e por aqueles que ama. Também me chama a atenção o enredo de Daniel que paga um alto preço por fazer aquilo que lhe pedem. Assim como o final de Frau Helena e de Jutta. Mulheres foram estupradas na Alemanha, mulheres foram estupradas na França e o são em todos os lugares, todos os dia. Não existe garantias quando se é mulher!
Gosto muito da forma como todos os personagens se interligam. A transmissão de rádio juntando Werner e Marie, o fato de Werner não tê-los denunciado ter sido a causa do ataque ao prédio que ele estava. E em como ao final a pedra conecta Volkeimer com jutta, Jutta com Frederick e Jutta a Marie.
O encerramento da história é um pouco chocante pra mim. Depois de passar o livro todo com aquele sentimento de medo e urgência, ver a cidade reconstruída e todos vivendo suas vidas tranquilas sempre me causa um desconforto. Acho que o tempo faz o ser humano se desconectar com a realidade do passado como se ela nunca tivesse existido, enquanto pra aqueles que a viveram foi tão brutal. Esquecer o passado é sempre perigoso.
Uma história profunda com uma escrita muito bonita. A construção dos personagens e da sua relação com o contexto é muito bem feita, assim como todas as metáforas. Mas que podia ter sido um pouquinhos mais direto ao ponto e que me perdeu em parte por conta do ritmo lento.