Julia G 01/04/2016Miniaturista Já comentei aqui no blog sobre meus métodos inusitados de escolha dos livros que serão minhas próximas leituras, e não é raro eu decidir por aspectos completamente subjetivos. Às vezes, decido pela capa; outras, por causa do gênero. Pode acontecer de eu escolher aquele que acho que vai se afastar de tudo que tenho lido recentemente. Em outros casos, eu simplesmente quero ler o livro, sem saber o motivo, e me dou uma justificativa qualquer para escolhê-lo. No caso de Miniaturista, de Jessie Burton, o que me fez solicitar o livro em parceria com a Editora Intrínseca foi o sobrenome da autora, por ser homônimo do cineasta de que gosto tanto, Tim Burton. Por óbvio, os dois não têm nada em comum (que eu saiba) além do sobrenome, mas foi esse detalhe que me fez decidir pelo livro, e eu gostei bastante da escolha.
O enredo de Miniaturista se passa na Holanda do século XVII, e conta a história de Nella depois que chegou à casa de seu marido, Jahannes. Nella logo percebe que naquela casa todos guardam seus segredos, e se sente uma intrusa na casa em que deveria ser a "senhora". Tem ainda de se submeter à cunhada mão de ferro e aturar a petulância da criada da casa. Não bastasse o fato de Nella não conseguir compreender os moradores de sua própria casa, o miniaturista que contratou para decorar seu presente de casamento - uma casa em miniatura - começa a lhe enviar peças que ela não encomendou, mas que parecem conter avisos que espelham a realidade.
A história é narrada em terceira pessoa pelo ponto de vista de Nella, e assim como os personagens não são imediatamente compreendidos pela protagonista, também não o são pelo leitor. A primeira impressão que se tem é que todos são instáveis, visto que ora se comportam de maneira rude, ora deixam transparecer sensibilidade. Com o passar da história, percebe-se que, na verdade, tal comportamento é um mecanismo de proteção, especialmente enquanto eles ainda não têm certeza se podem confiar em Nella.
Assim como as revelações surpreenderam Nella, surpreenderam a mim também. A autora pode até ter deixado uma ou outra pista sobre os segredos espiados por buracos de fechaduras, mas eu não consegui ligar um ponto a outro até que toda a verdade estivesse na minha cara. E quando a realidade começou a fazer mais sentido, compreendi as escolhas dos personagens e seus comportamentos. Assim, junto com Nella, senti-me leal àquela família e criei um relacionamento verdadeiro com cada um dos personagens.
Um dos pontos fortes da trama é a inclusão de uma dose concentrada de crítica social. Se hoje, quando tudo é tão abertamente debatido, aquilo que sai do "padrão" já é visto de maneira errada, imagine como seria há quatro séculos. Nenhum dos personagens de Miniaturista se adequa ao padrão daquela época e, com o passar dos capítulos, percebe-se de que forma a mentalidade puritana tende a ceifar a liberdade dos personagens.
O preconceito é, aliás, um dos aspectos mais debatidos no livro. Seja pela função da mulher na sociedade, seja pelo papel da sexualidade, seja pelos marcados pela varíola ou pelos negros. Burton insere todos esses assuntos em cada passagem da história, objeta sobre eles, faz-nos refletir e mostra como ainda somos intolerantes. Somado a isso, há ainda uma boa dose de suspense, uma atmosfera de impotência face ao incompreendido e uma boa referência histórica sobre o comércio de açúcar e as rixas mercantis entre holandeses e ingleses.
O único aspecto que me fez concluir a leitura bastante frustrada foi não ter respostas para alguns dos mistérios envolvendo o miniaturista. A conversa de Nella com o pai da outra Petronella ajudou a esclarecer algumas coisas, mas só me levou a deduzir o que eu gostaria de ler sobre. Por conta disso, senti como se a autora tivesse me saturado de fatos inexplicáveis que eu só poderia entender como inexplicáveis, e fim da história. Até esse momento, estou com a sensação de que o livro não terminou ainda porque nem tudo foi respondido e essa não é uma boa sensação.
Ainda que a conclusão não tenha sido uma das melhores, Miniaturista foi, durante o desenvolvimento do enredo, uma leitura que surpreendeu bastante, por ser mais sério e misterioso do que eu imaginava inicialmente. Preciso comentar também: a edição é incrivelmente bonita, a capa, feita em material meio emborrachado, é cheia de significado, e os detalhes internos são encantadores, remetendo à cultura da época.
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