CrisVieira~ 16/11/2020Sobre um Título Sem Sentido e a Má Construção de PersonagensAVISO: Abaixo pode-se ou não conter spoilers:
A história é sobre um homem que busca se encontrar neste mundo enfrentando sérios problemas mentais e uma mulher que apenas precisa dar um jeito de amadurecer emocionalmente. E entre eles surge algo que pode tornar tudo uma tragédia.
Mas por falar nos personagens, há uma certa dificuldade do autor Sparks em se colocar no lugar de uma mulher jovem e solteira (algo impossível, claro!). Ela é uma advogada de vinte e nove anos Às portas de comemorar trinta, mas o autor a imagina tendo as mesmas preocupações de uma adolescente - com maquiagem, roupas, entre outras coisas - mas não como uma advogada que é ex-criminalista. E é por isso que Sparks a envolve com um homem violento...
Algo que só um homem acreditaria estar bem para uma mulher que, na história, teria trabalhado com casos de violência doméstica, entre outros cujos responsáveis seriam... homens violentos.
Só isso já seria um gatilho emocional para um personagem que mostra total insegurança em relação ao mundo. Não é uma personagem muito bem organizada.
E não falo de perfeição porque nada é perfeito neste mundo. Falo de cautela ao "se colocar no lugar" do que não se conhece para criar uma personagem feminina COERENTE.
Não acho que Sparks tenha conseguido isso neste livro.
Continuando, existem inúmeras passagens na história que poderiam facilmente ter sido cortadas e sua remoção não alteraria de forma alguma a narrativa. Hemingway teria gritado de raiva se tivesse lido esse texto cheio de "encheção de linguiça"; isto é, com descrições de assuntos dispensáveis.
Não sei por que Sparks fez isso neste livro em particular. Parece como se ele quisesse "adolescentizar" a narrativa para continuar recebendo o mesmo feedback que teve com outros livros no passado (alguns que até viraram filmes de sucesso (outro, nem tanto!)). E isto, mesmo sacrificando um plot que parecia ser bom.
Talvez por isso, eu (pessoalmente!) nunca ouvi falar do livro dele.
É escrevendo como prática, mesmo diária, que começamos a perceber os erros e as equívocos dos autores que lemos.
Tenho dois livros do Sparks que adoro: 'Um Porto Seguro' e 'O Milagre'. Gosto desses dois porque gostei da forma como foi feita a construção dos personagens e das narrativas. E também gosto de 'Uma Carta de Amor', embora não goste do final.
Mas, em face dessas três obras, eu percebo que Sparks busca tocar as pessoas de seu lugar na sociedade como um homem branco da classe média alta americana. Esses três pontos são, na verdade, um obstáculo na construção de diferentes narrativas de seu mundo se ele não aceitar buscar as visões dos outros para suas criações, pois acaba estereotipando os personagens.
Na história, ele fala sobre uma "família de origem mexicana que venceu na vida" e aqui se encerra a explicação sobre todos eles. Então, onde está o erro?
Está no fato de ser outra cultura, outra forma de ver o mundo; que mistura, sim, um certo conservadorismo religioso, mas também uma certa paixão pela vida que mesmo os mais tímidos como a protagonista deveriam ter, ainda que leve. E acrescente a isso o fato de ela ter tido contato com um mundo que muitos não conhecem; onde a violência infelizmente é algo cotidiano.
Este choque de realidades muda uma pessoa. E eu escrevi MUDA! Não é sazonal. É PERMANENTE.
Policiais, advogados criminais, vítimas e parentes de criminosos nunca mais são os mesmos depois de terem contato com a violência por eles perpetrada. Então, como o personagem de Sparks não se tornou alguém endurecido pelo que viu e viveu, mesmo por um curto período de tempo? E lembrando que ela saiu porque “descobriu” que o sistema de Justiça é falho. Pela frustração e decepção com ele e por si mesma, tornando-se vítima da perseguição de um parente de uma vítima.
Mas na história, ela se fecha nisso e se esconde na terra de seus pais. Porém, uma coisa é não querer remexer no passado e outra é não mudar quem é - mesmo não querendo - por causa disso.
Sparks deu a entender que a personagem principal, tímida e insegura, nem sequer foi tocada pelo que viu e que continua a ser um "animal de estimação" fofo, doce, retraído e infantilizado, embora a própria vida tenha cobrado um certo preço para que ela pudesse "brincar de adulta como uma advogada".
Sparks criou uma personagem feminina absolutamente irreal.
É apenas um adendo, para não parecer uma chata que apenas critica negativamente a escrita do autor: o protagonista masculino é muito coerente.
Toda a psicologia por trás disso está bem organizada e até mesmo sua narrativa, que demonstra uma busca pela maturidade emocional, é lógica focada no que as pessoas buscam quando não querem mais viver uma vida de violência e irresponsabilidade. Sparks teve o cuidado de criá-lo como se fosse um filho que aos poucos deu asas para se desenvolver e voar, apesar de seu passado; ou por causa dele.
O personagem teve sua vida marcada pelo que viu e vivenciou e explica isso em seu comportamento e na fala. Então, por que a personagem feminina parece viver em uma bolha, embora ela tenha estado tão perto do mundo em que o personagem masculino viveu no passado recente?
Pois Sparks prefere romantizar histórias sobre mulheres e dar um tom de realidade à parte relacionada aos homens, sem tratar ambos de forma mais equilibrada.
A narrativa se desdobra e mostra cada vez mais como o personagem principal masculino foi bem construído e como o personagem principal feminino orbita ao seu redor. Nunca vi uma mulher que viu e conviveu com o pior dos seres humanos que, a partir dos trinta anos, age e reage como uma adolescente estúpida (com todo o respeito pelas adolescentes!) Não tenho a certeza se a ideia era que ela parecesse frágil, vulnerável e “salvável” pelo “príncipe encantado” mas a cada capítulo, eu sentia mais aversão pela personagem. As mulheres vítimas de violência (física ou psicológica) estão fragilizadas pela situação em que se encontram e precisam de apoio. Mas mulheres que agem assim sem motivação aparente, não consigo nem alcançar ou entender. É triste ver a incapacidade de um autor de não gerar a mesma consistência de construção de caráter para ambos.
Assim, a história se torna completamente sobre "o herói salvando as donzelas". E não cabe em mim entender como só ele conseguiu raciocinar sobre quem seria o vilão da história. Também não sei qual é a da personagem feminina principal da narrativa. Sua influência superficial é quase a de um papel coadjuvante em um filme. Nada acrescenta à narrativa para que o enredo prossiga e de forma alguma altera as direções criadas pelo personagem masculino principal.
Isso é muito fraco, Sparks!
P.S.: Não descobri depois da leitura qual é a do título infelizmente.