Anderson Tiago 13/06/2016Padrão Abercrombie de qualidade [INTOCADOS]Joe Abercrombie é um dos nomes mais importantes do subgênero grimdark da fantasia ou, como é mais conhecido no Brasil, dark fantasy. Por esse motivo fiquei meio reticente quando ouvi falar sobre a série Mar Despedaçado. Isso porque essa trilogia seria voltada para um público mais jovem. Logo, esperava algo muito diferente do que estava acostumado do autor. Se você leu a trilogia A Primeira Lei, sabe que ele não economiza na violência, com cenas bem visuais e não recomendada para pessoas de estômago fraco. Mas até que eu estava bem enganado.
Em Meio Rei acompanhamos a história de Yarvi. Ele é o filho mais novo do rei de Gettland, uma terra situada em torno do Mar Despedaçado, com uma cultura que lembra um pouco os povos vikings. Yarvi é considerado um “meio homem” por ter nascido com uma deficiência. Uma de suas mãos é mal desenvolvida, tornando-o incapaz de realizar ações esperadas de um “homem de verdade”. Desprezado pelo próprio pai por não conseguir responder às expectativas de ser um guerreiro e príncipe digno, o rapaz decide se tornar um ministro - um conselheiro do rei. Tudo muda, porém, quando seu pai e irmão mais velho são mortos em uma emboscada. Ao se tornar rei, Yarvi faz um juramento: vingar a morte de seu pai e irmão.
"– O que foi? – perguntou Yarvi, a garganta apertada de medo.
Seu tio se ajoelhou, apoiando as mãos na palha oleosa. Baixou a cabeça e sussurrou apenas duas palavras, com a voz rouca:
– Meu rei.
E Yarvi soube que seu pai e seu irmão estavam mortos."
No entanto, ele é vítima de uma terrível traição, acaba preso e vendido como escravo. Para conseguir cumprir o seu juramento, Yarvi terá que passar por um verdadeiro calvário e encontrar o respeito que nunca teve como príncipe nos lugares mais improváveis. Mesmo no fundo de poço, Yarvi só pensa em vingança e fará de tudo para consegui-la. Não importam quais sejam as consequências.
O fato do protagonista não ser aquele herói fodão clássico que resolve todos os problemas com o gume de sua espada é algo que torna a leitura bem mais interessante. Yarvi tem uma deficiência e, apesar de ter vários outros talentos, não consegue repetir os feitos de seu pai ou irmão na quadra de treinamento. Em uma sociedade predominantemente guerreira, isso faz com que ele seja visto como fraco e não seja respeitado, até mais por aqueles que deveriam servi-lo. Esse tratamento acaba afetando o príncipe psicologicamente, tornando-o amargo e sarcástico. São várias as vezes que vemos o próprio Yarvi pensar em si mesmo com desprezo e se mostrar sempre na defensiva quando tem que se envolver com outras pessoas. Os únicos momentos que ele se sente bem é treinando para se tornar ministro com a Mãe Gundring.
Os personagens secundários não são tão bem desenvolvidos quanto o protagonista, mas isso é decorrente da urgência narrativa do livro. E é esse o maior diferencial em relação às obras mais adultas do autor, no caso a trilogia A Primeira Lei. Se nela o autor constrói a narrativa detalhadamente, através de vários pontos de vista, e com muita atenção no desenvolvimento do cenário, em Meio Rei tudo é mais direto. A trama gira em torno de Yarvi, sem muita descrição e detalhes, mas com o selo Abercrombie de qualidade. O único ponto negativo foi que percebi qual seria a reviravolta final muito antes dela acontecer. Acredito que o autor não soube esconder bem os indícios e não causou aquele choque que deveria ter causado.
“– Posso até ser meio-homem, mas sou capaz de fazer um juramento por inteiro.”
Meio Rei é o primeiro livro da trilogia Mar Despedaçado, mas também encerra um ciclo em si mesmo. Meio Mundo, a sua continuação, traz outro protagonista e Yarvi em um papel secundário. Apesar de ter uma escrita mais amena do que seus livros anteriores, Meio Rei ainda traz as principais características que fazem de Abercrombie um dos mais geniais autores do gênero fantástico atual: uma história de ritmo acelerado, cheia de ação, personagens realistas, diálogos fantásticos e aquela dose de violência tão característica do autor. É um ótimo começo de uma série promissora.
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