D.A. Potens 07/12/2016
RESENHA DE ULTRA CARNEM, DE CESAR BRAVO, UMA REVELAÇÃO DA DARKSIDE BOOKS — UMA SERENA LUZ NA ESCURIDÃO
Por Danilo de Almeida da Silva
Nota: 4,5/5 — 9/10.
— UMA LUZ NO TÚNEL —
Antes de contar sobre a maravilhosa oportunidade de ler o primeiro livro de terror nacional lançado pela Darkside Books, gostaria de falar sobre a minha percepção sobre o trabalho desta editora em acreditar no oculto, no obscuro e, acima de tudo, no nacional.
Sempre a considerei uma empresa revolucionária; primeiro, por causa de sua qualidade editorial e gráfica; segundo, pela capacidade de focar o terror e a fantasia em seu arsenal literário, ao passo que outras editoras — diga-se a maioria — seguem outras vertentes baseadas no tradicionalismo. Por estas características, sinto que a mesma está à disposição de mudanças significativas no mercado editorial, e é isto o que dissecarei na mais pura sinceridade como leitor e autor iniciante.
Antes de tudo, posso dizer que a literatura está sendo reduzida à banalização das obras e no desprezo para com a criatividade e capacidade de absorção cultural dos indivíduos, quando predizemos que somente livros com alto teor de aceitação internacional são lançados em nosso solo com garantia de sucesso de acordo com o que a mídia impõe. Nesta hora, a Darkside vem para provar que um bom marketing e um esplêndido trabalho editorial podem quebrar esses paradigmas, alcançando a emancipação do capitalismo puro — para e pelo lucro — ao tratar a literatura como ARTE DIGNA DE LOUVOR em meio à cultura artística, podendo lançar qualquer obra na qual a qualidade esteja presente, pouco se importando com a popularidade do autor.
Para comprovar isto, eis que o lançamento do autor nacional Cesar Bravo com o livro Ultra Carnem surge em uma surpresa e um alento para leitores e escritores de primeira viagem como eu, demonstrando que é possível lançar um escritor pela sua qualidade e não somente pela exigência de que o mesmo tenha um panteão de seguidores, como youtubers, bloggers, vloggers e tantos outros "oggers", uma vez que, a fim de que um livro faça sucesso, sobretudo, a capacidade técnica, inovadora e revolucionária de um enredo com coerência e coesão dos conteúdos, além da presença de plots de tirar o fôlego dos leitores, sejam de vital importância para as vendas, lucro e divulgação dos envolvidos.
Assim, além do que os olhos podem ver, e a capacidade de ler pode exercer sobre a vida de cada um, a habilidade de interpretar surgirá com este tipo de trabalho para captar cada pedaço de alma deixado pelo autor em sua obra. Por isso a Darkside opta pela escuridão, pois mesmo nas trevas, homens e mulheres podem acender um mero feixe de luz para encontrar os tesouros no interior da arte, da vida, dos significados e, por conseguinte, de si mesmos.
Neste ápice artístico de uma esperança inigualável, Ultra Carnem vem para estapear a cara do mundo literário atual, reviver o a esperança no futuro a partir da qualidade e do esforço, assim como deixar um legado para a literatura nacional. Aqui, nunca a lei de Newton fez mais sentido: para a ação de Cesar Bravo e da Darkside Books, uma reação foi causada para abrir os nossos olhos. Olhos que verão a capacidade do nacional, em questionar o velho e abrir os olhos para o novo.
No meio desta dialética louca, pessoal, eu vos abro as cortinas para o inferno; à mitologia, à qualidade literária e ao sentimento agudo e crônico deixado por Cesar Bravo em cada página de Ultra Carnem. Muito além da carne, eu diria; sobretudo, em nossa alma...
— O LIVRO E SUAS ENTRANHAS —
Em Ultra Carnem, conhecemos a história de Wladimir Lestes, um garoto cigano abandonado em uma igreja antiga por sua suposta irmã aos cuidados de padre Giordano, o responsável pelo orfanato em funcionamento dentro da própria instituição católica. Com este singelo contato, Wladimir acaba por viver algum tempo no local, revelando aos poucos seu dom inigualável de pintar, e sentindo na pele a maldade que provém da língua e das atitudes das crianças abandonadas. Quando li esta parte, tive a certeza de que a frase “aqueles que possuírem o coração de uma criança entrarão no reino dos céus” seria facilmente mudada para o seu oposto: um convite direto ao inferno de fogo sem misericórdia. E por isto continuei a leitura, pois senti que Cesar Bravo desejava remexer cada ponta pútrida do ser humano que nos negamos a enxergar, ou melhor, que conhecemos, embora optemos por nos fazer de cegos...
Neste começo, a apresentação é gradual e, junto ao feeling deixado pela arte gráfica satânica do livro, sua pele e seu corpo começarão a sentir a pressão do que o aguarda até o final da história. Uma sensação fechada de medo do garoto pintor — e daquilo que o rodeia —, o protagonista da primeira de quatro novelas contidas na trama geral.
Não irei me aprofundar no conteúdo de cada uma, pois acredito que o leitor deva descobrir o que o aguarda para que a obra entre na carne da maneira que o autor deseja. Mas adianto que Wladimir Lester é a ovelha que possibilita a influência dos outros personagens que surgirão nas novelas seguintes: Nôa, o pintor falido; Marcos, um técnico de informática fracassado e Lucrécia, uma garçonete vazia e traumatizada.
Após a primeira novela, onde o tópico principal é apresentado, as próximas novelas são mais fortes, encorpadas e adornadas das mais puras descrições sanguinárias e aterrorizantes, como se você tivesse presenciado aqueles fatos ao vivo. Neste quesito, digo que uma dessas quase me fez vomitar no ônibus, além de me estimular a fazer caretas, e isto eu considero um elogio, pois o talento do autor, além de dominar qualquer técnica literária, está na capacidade de fazer os indivíduos sentirem a trama na pele, principalmente quando se falam de terror com GORE e NOIR — as características tão bem dominadas pelo Sr. Bravo.
Todavia, não pense que Ultra Carnem resume-se a isso. Esta obra é diferente da maioria e, semelhantemente aos livros publicados pela Darkside Books, requer uma leitura minuciosa, lenta e atenta, para que não perca os detalhes contidos da maneira que ocorre com O DEMONOLOGISTA e OS CONDENADOS de Andrew Pyper. Oriento-lhe a não se apegar a nada, deixando a história rolar e atentando-se a um fato que me chamou a atenção do começo ao fim: até que ponto os seres humanos são vitimas sem que tenham feito algo para merecer o mal encarnado em suas entranhas?
No jogo da ação e reação, ala George R.R. Martin, Cesar Bravo mostra que o bem e o mal andam em uma linha tênue capaz de se romper a todo o momento. Por isso eu deixo minhas congratulações a este lançamento e a todos os autores que por virtude vierem a ser lançados pela Darkside. E peço que ofereçam uma, duas, mil chances ao nacional; que abram os olhos e estimulem os amigos a lerem Cesar Bravo e as obras de outros autores para que, de migalha em migalha, alcancemos algo maior e mais vívido; algo que outros tentam nos tirar todos os dias: a capacidade de sonhar e acreditar...