Rose 17/09/2020
As Alegrias da Maternidade - Buchi Emecheta - A África do início do século passado seria diferente dos dias atuais?
"Quando as crianças se comportavam pertenciam ao pai; quando não eram da mãe."
Não julgue um livro pela capa ou mesmo pelo título. Essa foi a primeira lição que o livro As Alegrias da Maternidade de Buchi Emecheta me ensinou. O livro foi uma sugestão do clube de leitura Lendo o Mundo do qual faço parte. Leitura do mês de Agosto. Quando o livro ganhou na votação fiquei verdadeiramente decepcionada. Seu título não me interessava de nenhuma forma. Não sendo mãe e por não possuir esse sonho de maternidade que a maioria das mulheres possuem, imaginei que seria uma leitura monótono e pedante. Mais uma vez e para minha alegria, fui novamente surpreendida positivamente. Que livro precioso e totalmente necessário!
"As mulheres podem ser feias ou velhas, os homens nunca são."
"Pois afinal de contas era homem e, se uma mulher gostasse dele, ótimo, se não gostasse, sempre haveria outra para gostar."
A narrativa nos leva para as primeiras décadas do século passado e relata os costumes de uma sociedade patriarcal, tradicional e rural localizada em Ibuza na Nigéria. Uma das tradições dessa sociedade é a poligamia. Um homem poderia ter várias esposas, escravas e amantes. Conhecemos um pouco mais sobre os ascendentes da personagem principal, Nnu Ego. Seu avô materno e seus pais. E depois a narrativa foca em Nnu Ego e seus inúmeros desafios.
Nnu Ego, como mulher naquela sociedade, não possuía muitas opções. Seu único destino e maior sonho era ser mãe. Era o que sua família, sociedade e ela mesmo esperava e cobrava dela. Conhecemos uma sociedade em que a família escolhe os pretendentes no casamento, que a mulher deve e precisa gerar filhos, que deve e precisa gerar filhos HOMENS para garantir a linhagem e o nome do marido, que a mulher é totalmente responsável pela criação dos filhos, pelos cuidados da casa e pela honra da família.
"Você já ouviu falar em mulher completa sem um marido?"
"Todos os homens são egoístas. Homem é assim".
Uma mulher que não atendia a essas premissas, que não cumpria seu dever, era julgada, condenada e perseguida. A honra e respeito da família também eram afetados. O que gerava ainda mais pressão nas mulheres para que fossem muito férteis, boas mães e boas esposas.
"Deus quando você irá criar uma mulher que se sinta satisfeita com sua própria pessoa, um ser humano pleno, não o apêndice de alguém?"
"Os homens nos fazem acreditar que precisamos desejar filhos ou morrer."
Nnu Ego tem uma vida muito sofrida. Durante a narrativa, quando você pensa que não é possível piorar, piora. Problemas com marido, casa, filhos e financeiros. Senti muita dor e muita piedade por ela enquanto lia. Reconheci-me em Nnu Ego muitas vezes. Reconheci outras mulheres do meu meio social em diversos momentos. Reconheci como é difícil e desafiador ser mulher, em seu tempo e sociedade, mas ainda o é nos dias de hoje. Somos ainda cobradas rotineiramente para casarmos, sermos mães, sermos boas profissionais, mas ainda assim sermos esposas e mães perfeitas. Qualquer ato é julgado, mesmo quando somos vítimas de abusos e violência por familiares ou estranhos, geralmente a sociedade questiona nossos atos que possibilitaram que coisas assim acontecessem. Somos, mesmo trabalhando a mesma quantidade diária dos homens, totalmente responsáveis e escravizadas com os cuidados do lar. Somos cobradas diariamente para sermos lindas e impecáveis, mesmo após a maternidade, mesmo na velhice. Envelhecer não nos é permitido. Fios brancos nos homens são belos, na mulher é necessário tingi-los. Quando traídas a culpa também é nossa, pois não nos cuidamos o suficiente. Precisamos trabalhar, manter uma casa impecável e educar filhos que sejam exemplo. Somos culpadas quando não conseguimos gerar um filho ou quando escolhemos não os ter.
"Não era justo, ela achava, o modo como os espertos dos homens usavam o sentido de responsabilidade de uma mulher para escravizá-la na prática. Eles sabiam que nunca passaria pela cabeça de uma esposa tradicional como ela a ideia de abandonar os filhos."
Então, mesmo se tratando de uma narrativa fictícia de mais de um século atrás, ainda reconhecemos atitudes e cobranças de uma sociedade patriarcal e ainda muito cruel com nós mulheres. Reconheço que muito já foi conquistado, mas é inegável que ainda temos muito a conquistar. Que possamos ser mais livres e donas de nossas vidas, que possamos ser menos competitivas umas com as outras. Que possamos nos apoiar e nos unir cada vez mais. Que possamos reconhecer e lutar contra opressões de qualquer espécie. Que possamos andar e viajar sozinha sem sentirmos medo. Que possamos ser inteiras e não apêndices de ninguém. Que possamos criar e escolher nosso próprio destino e formas de viver. Que tenhamos cada vez mais espaço no mundo e na sociedade, para que possamos criar um mundo mais coerente com nossa essência. Que tenhamos mais voz e lugar de fala. Que nos ouçam e nos respeitem como iguais.
"Só que quanto mais eu penso no assunto, mais me dou conta de que nós mulheres fixamos modelos impossíveis para nós mesmas. Que tornamos a vida intolerável umas para as outras. Não consigo compreender os nossos modelos, esposa mais velha. Por isso preciso criar os meus próprios."