spoiler visualizarruffles_teiv 01/04/2021
Devemos realmente temer o desconhecido?
Depois de ficar flertando com a capa do livro por muito tempo, finalmente decidi pegar este livro emprestado do meu irmão para lê-lo. E nossa, que viagem que isso foi. Em um misto de cumprimento e quebra de expectativas, esta coletânea de contos mostra a evolução do "mestre do terror", tornando claro como o seu universo e mitologia foi crescendo e se desenvolvendo ao longo dos anos.
Gostaria de começar dizendo que a edição da Darkside é espetacular, tanto visualmente, pela capa e ilustrações do Walter Pax, quanto em relação à ordem dos contos e notas adicionais. Além disso, os capítulos finais que comentam sobre a influência de Lovecraft na cultura pop, sua relação com Edgar Allan Poe, a cidade de Providence, e cartas e originais são ótimas adições a esta coletânea.
Os contos são organizados em ordem semi-cronológica, mostrando o progresso do autor:
- Dagon (1919), 10 páginas
Uma ótima introdução à saga, uma história simples e interessante que mostra ao leitor a "fórmula" que maioria dos contos de Lovecraft seguirão daqui em diante. Somos introduzidos a uma situação estranha e enervante, recontada em primeira pessoa pelo personagem, sem nos oferecer todas as respostas do que realmente aconteceu.
-A Cidade Sem Nome (1921), 20 páginas
Neste conto vemos uma expansão da fórmula de terror de Lovecraft, e começamos a ver o começo da expansão (em tamanho) de suas histórias.
- Herbert West: Reanimator (1922), 40 páginas.
Aqui vemos as primeiras tentativas pela parte de Lovecraft de interconectar o seu mundo, principalmente pelo uso da Universidade Miskatonic, que reaparece inúmeras vezes em suas futuras histórias. Vemos também evidência do evidente racismo do autor (sobre o qual falarei mais tarde).
- O Depoimento de Randolph Carter (1920), 22 páginas
Aqui voltamos um pouco para ver um curto conto que mostra mais uma vez a sua fórmula em ação, e que evidencia a fascinação do autor com o subterrâneo e com criaturas capazes de destruir a consciência humana.
- O Cão de Caça (1924), 14 páginas
Este conto evidencia como Lovecraft foi capaz de evoluir literariamente. Enquanto os contos anteriores conseguiam inspirar fascínio e curiosidade e fascínio no leitor, este foi o primeiro que me fez sentir calafrios e horror pela premissa.
- O Chamado de Cthulhu (1928), 40 páginas
Finalmente nos deparamos com a entidade mais popular da mitologia de Lovecraft, e quais foram suas origens. Conectando-se a vários outros pontos de seu universo, este conto mostra o começo da exploração de Lovecraft com a ciência e conceitos físicos avançados (como espaços não-euclideanos).
- Nas Montanhas da Loucura (1936), 128 páginas
Chegamos ao maior "conto" da coletânea, que atinge um tamanho digno de ser chamado de "romance" por si só. Este conto junta todos os conceitos que Lovecraft havia construído até então, condensando-os em uma narrativa que inspira todos os sentimentos dos contos anteriores em uma história mais longa e com implicações importantes no universo do autor.
- A Sombra Vinda do Tempo (1936), 78 páginas
Interpreto este conto quase como uma "continuação" do "Nas Montanhas da Loucura", por fazer referências explícitas aos acontecimentos do mesmo e por explorar a história do universo de maneira similar ao seu predecessor, em muito maior detalhe e em um nível muito maior de exposição.
- A História do Necronomicon (1927), 7 páginas
Voltamos um pouco para analisar um artefato importante e muito citado nos contos de Lovecraft, em uma carta de Lovecraft a Clark Ashton Smith.
Dado tudo isso, admito que ao terminar de ler esta coletânea me senti um pouco incomodado à maneira em que o autor é louvado como entidade suprema de terror, principalmente visto a maneira que o autor abordava questões políticas em algumas de suas obras, especialmente no começo de sua carreira.
No prefácio da coletânea, escrito por Ramon Mapa, é deixado claro como o racismo e o medo da mudança do mundo redor de Lovecraft leva ao seu medo pelo desconhecido, tão retratado em seus contos, o que aparentemente é ignorado no capítulo onde Lovecraft é relacionado com Edgar Allan Poe.
O interesse de Lovecraft pela ciência NÃO SUAVIZA a acusação de que o mesmo desconhecia do mundo real, pois seu preconceito é marca de que o autor não estava disposto a aprender com, e aceitar, as diferentes culturas que se introduziam ao seu mundo através da imigração.
E finalmente chegamos à frase final deste mesmo capítulo:
"[...] Poe e Lovecraft são nossos dois gênios americanos da fantasia, comparáveis um com outro, mas incomparavelmente superiores a todos que seguiram seu rastro."
Pergunto-lhe: não houveram grandes autores e autoras de terror desde a morte de Lovecraft? Ou então, desde a morte de Allan Poe até o nascimento literário de Lovecraft? Por acaso esquecemos da influência de Anne Rice, Stephen King, Shirley Jackson e Neil Gaiman neste mesmo gênero?
A influência, tanto de Allan Poe, quanto de Lovecraft, é indiscutível. Mas se Lovecraft conseguiu clamar para si o trono do terror seguindo o rastro de Allan Poe, então podemos dizer que da mesma maneira as ideias de horror cósmico popularizadas por Lovecraft crescerão, evoluirão e trarão para o cenário literário coisas que o cavaleiro de Providence jamais seria capaz de imaginar.