Juju 18/01/2024
O legado do terror dos osage
Em meados dos anos 1920 nos Estados Unidos, a nação indígena osage estava entre os povos mais ricos do mundo. Detentores de uma grande fortuna advinda da exploração de petróleo em suas terras férteis - no estado de Oklahoma -, os índios levavam uma vida confortável a abastada. No entanto, o rastro do dinheiro atraía a sua cota de predadores perigosos. Naquela época, o preconceito enraizado aliado à ganância fazia com que o homem branco utilizasse de suas artimanhas para tentar controlar, dissuadir e roubar os bens daqueles que consideravam "intelectualmente inferiores". Assim, teve início o período que ficou conhecido na cultura osage como o "Reinado do Terror". Em todos os cantos, osages decendentes e principalmente os de sangue puro eram convenientemente assassinados e o objetivo principal de seus algozes era certamente colocar as mãos sujas no dinheiro e nas terras que não lhes pertenciam. Deste modo, figuras importantes e de autoridade faziam vista grossa e escolhiam ignorar, até compactuar com os atos nefastos perpetrados em suas terras. O grande contigente de mortes aterrorizou os osage que exauriram seus recursos para encontrar e punir os responsáveis. Foi somente quando o recém-criado FBI de J. Edgar Hoover - ainda em seus primeiros e vacilantes passos - se envolveu nessa terrível história que algumas respostas puderam ser obtidas. A verdade que se revelaria afinal, era muito mais complexa e assustadora, uma série de conspirações de gelar a espinha.
David Grann escreve para a popular revista New Yorker e já abordou temas variados como a gangue Irmandade Ariana, a caçada a uma lula gigantesca e a morte de um renomado especialista em Sherlock Holmes. Em 2017, Grann publicou Assassinos da Lua das Flores que foi alçado ao renome após ter sido adaptado para as telas por ninguém menos do que Martin Scorsese. É quase certo de que o filme com duração de 3 horas e 28 minutos, vá concorrer ao Oscar. O elenco é recheado de talentos como Leonardo Di Caprio, Robert De Niro, Brendan Fraser, Jesse Plemons e a atriz revelação, - que provavelmente vai levar o Oscar por Melhor Atriz - Lily Gladstone. Em minha honesta opinião, foi um dos melhores títulos lançados para o cinema em 2023.
Tendo assistido primeiro ao filme, naturalmente eu posso afirmar que fiquei muito curiosa para ler a obra que o baseou. E fico feliz em declarar que ela consegue ser ainda melhor, mais completa e incrivelmente tocante. É fascinante a quantidade de informações que o autor consegue nos transmitir através de uma narrativa ao melhor estilo de um romance policial: fluída, objetiva e precisa. A pesquisa deve ter lhe consumido alguns bons anos, pois é realmente apurada e factual, true crime em sua melhor essência. Mais do que apenas atestar os fatos e contar sobre a tragédia que se abateu sobre os osage, David Grann também dedica algumas boas páginas para falar-nos sobre a cultura, os costumes e o legado desse povo que um dia já foi tão grande. De quebra, o leitor ainda tem a oportunidade de vislumbrar como se deu a ascensão do FBI através de uma figura importantíssima que foi a responsável por solucionar o primeiro caso da agência: os assassinatos osage. Inicialmente um apêndice do Departamento de Justiça que englobava agentes da nova e velha guarda (a exemplo dos Texas Rangers), o FBI utilizava-se de inovadoras tecnologias para a época e métodos científicos mais apurados, o que lhes permitiu avançar e criar um sistema de investigação mais completo, preciso e eficiente que continuou evoluindo até se tornar a referência mundial que é hoje.
Ao concluirmos essa leitura, fica bastante evidente que esta é uma triste história real sobre a ganância humana, especialmente a ganância do homem branco que desde os primórdios da civilização sempre se julgou superior em todos os quesitos, subjugando, devastando e aniquilando todo e qualquer indivíduo que se interpusesse em seu caminho. O que aconteceu com os osage foi de uma crueldade, uma covardia sem limites. E mesmo que aos olhos da lei americana esse crime tenha sido solucionado e os responsáveis castigados, para muitas famílias os mistérios e o legado de tristeza, horror e sangue permanecem até os dias atuais, uma vez que este não era apenas um caso isolado e centenas de indígenas foram vitimados ao longo dos anos por múltiplos perpetradores que nunca chegaram a ser descobertos. David Grann é nobre e empático ao dar voz, atribuir nomes, rostos e se propor a contar ao mundo os fatos que por anos permaneceram às sombras, esquecidos, apagados e que para sempre serão uma mancha feia e nefasta na história dos Estados Unidos.