Rolando.S.Medeiros 19/07/2023
Killers of the Flower Moon: Doloroso Massacre nas Colinas Osages — 4.0/5.0
A adaptação deste livro tem potencial para se tornar um dos melhores filmes da década. The Killers of the Flower Moon, com direção e roteiro do Scorcese, estreará em outubro. O episódio da história americana (re)contado pelo David Grann no livro já é surpreendente por si só, e o famoso diretor terá pouco a acrescentar em termos de pesquisa e reviravoltas narrativas. Preparem-se também para um gigantesco "BASEADO EM FATOS REAIS", que deveria ecoar a cada "não pode ser" proferido pelo leitor/espectador, pois sim, aquilo aconteceu; mais um hediondo crime cometido pelos Estados Unidos contra nativos da América.
David Grann fez um trabalho muito interessante em retratar essa história em uma sequência narrativa, sempre embasado em algum documento, perscrutando por todo tipo de arquivo — fiz questão de colocar o método de trabalho dele no fim da resenha, e você poderá checar.
Scorsese precisará apenas fazer sua mágica; a adaptação pede uma “romantização das minúcias”, aplicada no que é uma seca prosa de não-ficção baseada em arquivos. Será "o diabo nos detalhes": capturar a essência da tribo Osage e sua religião, o movimento da cidade, as minúcias das pessoas em seus espaços privados, e as pistas em cada olhar ou descula. Pelo trailer, me parece que ele ainda tentará passar um tom de suspeita geral, da perspectiva dos Osages para com todos os brancos, suscitada em algum momento do livro mas não explorada. A pesquisa já está feita, a narrativa está ali à disposição do diretor, falta apenas a criação do espetáculo, da atuação e da representação visual — o seu olhar para aqueles fatos.
Ponho minha mão no fogo que a história contada pelo David Grann, originalmente em três partes, com suas luzes e sombras (a parte subsequente jogando alguma luz na anterior), será unida pelo Scorsese em uma linha única. No livro, o que fica suspenso na primeira parte e a gente descobre só na segunda, provavelmente no filme será apresentado em sequência contínua, eliminando completamente, talvez, a terceira parte, na qual o autor aparece com sua voz própria de pesquisador e escritor. O que é, no entanto, revelado na terceira, a grande conspiração, talvez seja unido às outras duas. As três horas de duração me são uma forte pista para tal assunção.
Indo para um outro aspecto, esse é um daqueles casos em que conhecer as minúcias da história de antemão pode prejudicar a apreciação artística dessa tragédia real, desenrolada como uma narrativa. Se eu soubesse mais sobre esse episódio sujo da história dos Estados Unidos, provavelmente teria gostado menos do livro, é bem verdade, mesmo com a crueza com que o hábil jornalista conta a história. Portanto, se você está curioso para ler o livro primeiro, eu aconselho que faça o inverso. Aguarde o filme. Inclusive, o filme tem muito potencial para superar o livro — justamente pela aproximação e romantização. Deixe o livro para depois.
A história trata d’os Osages, uma importante tribo indígena da América do Norte, que a partir do início do Século XIX foram gradualmente forçados a ir cedendo terreno e abrir mão de sua terra para os Estados Unidos, "O chefe osage declarou que seu povo “não teve escolha: deviam assinar o tratado ou ser declarados inimigos dos Estados Unidos", como resultado, perderam mais de cinquenta mil quilômetros de terra. Foram, ainda, movidos para o Kansas; passando algum tempo, são mais uma vez de lá retirados e agora movidos para as “Terras Indígenas”, atual Oklahoma, onde se estebelecem "de vez", em quatro cidades-postos: Pawhuska, Hominy, Fairfax, e Gray Horse.
No início do século XX, já nessas terras quaisquer, uma reserva considerada sem valor, uma perfuração da terra, para a surpresa de todos, cospe uma cascata de ouro — ouro negro. Descobriu-se petróleo na nova reserva Osage. Inteligentemente, alguns anos antes, um dos líderes Osages, havia feito um acordo de que tudo encontrado na nova terra, seria pertencente a Nação Osage, e assim toda a tribo passou a cobrar e receber pelos poços perfurados e pelos barris que enchiam na foz do petróleo que não parava de jorrar. Essa terra, propriedade da tribo, fez, a partir do lucro que indústria petrolífera lhes proporcionava, todos os Osages ricos. Ricaços. E a história se espalhou por todo o país por meio de diversos jornais, num misto de preconceitos e exageros típicos dos jornais.
Entretanto, numa ironia do destino, retomando o bonito prólogo e implicando no título da obra:"Em maio, quando os coiotes uivam sob uma lua enorme, plantas maiores, como o coração-roxo e a margarida-amarela, começam a despontar entre as menores, roubando-lhes luz e água. Os talos das flores se quebram, as pétalas saem flutuando pelos ares e em pouco tempo jazem sepultadas sob a terra. É por isso que os osages dizem que maio é o mês da lua que mata as flores".
É nesse simbólico mês de maio, que dois Osages — contemplados na lista de beneficiários do lucro do Petróleo — são encontrados mortos, num curto espaço de tempo. Mortes violentíssimas. E daí, meu amigo, é ladeira abaixo. É se vertiginar e boquiabrir-se todo o tempo. É bang-bang de faroeste, mortes violentas e mortes por envenenamento; detetives privados e federais, prefeitos, xerifes, corruptos e não-corruptos; tramoias gigantescas, traição em todos os aspectos, maldade generalizada, e uma conspiração muito maior do que aquela que foram desvelando inicialmente…
"Este livro se baseia principalmente em fontes primárias e materiais inéditos. Entre eles encontram-se milhares de páginas de arquivo do FBI, depoimentos secretos a grandes júris, transcrições de audiências judiciais, declarações de informantes, diários de detetives particulares, documentos de indulto e liberdade condicional, correspondência privada, um manuscrito inédito de que um dos detetives é coautor, entradas de diários, registros do Conselho Tribal Osage, relatos orais, relatórios de campo do Escritório de Assuntos Indígenas, atas do Congresso, memorandos e telegramas do Departamento de Justiça, fotos de cenas de crimes, testamentos, relatórios de curadores e confissões dos assassinos. "
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