Giovanna 06/08/2023
Vai muito além do que os filmes retratam
Tentei ler Drácula aos 9 anos e depois novamente aos 15 e não conseguia sair dos primeiros capítulos, mas dessa vez minha dificuldade foi em largar?
Tanto os aspectos da sociedade da época quanto a linguagem são bem diferentes daquilo com o qual convivemos hoje, porém a leitura se torna muito agradável após se acostumar com a escrita do Bram Stoker
(ainda mais para quem gosta de ficção gótica e romance de época)
?A partir da configuração dada por Stoker, o vampiro se tornou uma complexa metáfora cultural, capaz de refletir uma gama de questões relacionadas à sensibilidade moderna. Seu eixo central gira em torno de ansiedades relacionadas à decadência e à morte, mas o personagem já foi decodificado como diversos tipos de medo, de representação epidêmica até figuração xenofóbica, passando por simbólico da acumulação de capital, das inseguranças sobre o corpo e a sexualidade, de problemas psíquicos, de questões espirituais, entre outras leituras possíveis. Nesse sentido, a longevidade de Drácula deve-se ao número extraordinário de interpretações diferentes que o personagem suscita, materializadas na forma de relações parasitárias que em determinadas conjunturas sócio-históricas ganham conotações específicas. O vampiro está sempre se reescrevendo, definha e morre, apenas para ressuscitar de novo, se alimentando das nossas obsessões latentes.?
?Por essa razão, antes de analisar a representação feminina, coube entender quais são os papéis tradicionais incorporados pelos personagens homens cisgênero heterossexuais que localizam as mulheres em papéis de donzelas em perigo, interesses românticos e objetos pelos quais os homens lutam. 12 Assim, por mais que apresentem falas que sinalizem uma certa consciência de sua condição, tanto Mina como Lucy estão presas às normas do patriarcado e, portanto, aos valores que são atribuídos ao corpo social ao qual pertencem, sem qualquer perspectiva de superação. O desfecho de ambas indica que a transgressão gera consequências negativas e que a domesticação dos desejos resulta em prosperidade. Quanto às irmãs vampiras, sua história é como uma fábula cautelar: devemos nos afastar do tipo de performance dessas mulheres, sob o risco de acabarmos como elas.?
?Devido a esse fenômeno, as personagens femininas imortalizadas no imaginário são personagens que gravitam em torno de homens, em especial, os heróis. Drácula é um exemplar dessa tendência. Se, por um lado, Stoker representa uma relação positiva entre mulheres que se apoiam, por outro, isso é mediado pela percepção de que elas só serão completas quando casarem.?
?Entre os gregos, os vampiros apareciam principalmente como as filhas de Hécate, a deusa da Lua. Já na tradição hebraica, há relatos babilônicos sobre a primeira mulher de Adão, Lilith, que, após desobedecer às ordens de Deus e ser expulsa do Paraíso, passou a vagar pelo mundo sugando sangue de inocentes e tornando-se assim a mãe dos vampiros. Persas, indianos, chineses e egípcios têm suas próprias versões da lenda. Ela se apresenta de maneiras diferentes de uma região para a outra, mas o cerne?uma criatura que se alimenta de sangue humano?é sempre o mesmo. E, conforme a literatura de horror começou a se desenvolver, foi inevitável que tais lendas chamassem a atenção dos escritores.?