Laura Soares 24/02/2020
"Se existe uma expressão do desejo de matar - um olhar capaz de provocar a morte - foi a que vimos naquele momento"
[CONTÉM PEQUENOS SPOILERS]
Drácula é um romance gótico mundialmente conhecido, escrito por Bram Stoker e publicado em 1897.
Na trama, Jonathan Harker é um advogado que está na Transilvânia, tentando fechar a venda de uma propriedade londrina. O comprador, no entanto, é um homem diferente de todos os outros, dono de olhos vermelhos, dentes afiados e uma palidez macabra, além de hábitos mais do que estranhos. De início relutante com as superstições locais, aos poucos Harker começa a se questionar se as lendas são verdadeiras. Mas como ele poderá escapar do destino que elas podem infligir?
Com narrativa epistolar - isto é, feita através de cartas, diários e memorandos - o livro alterna pontos de vista de vários personagens, fazendo com que apenas o leitor consiga entrever a ligação entre eles. Dessa forma, o fio condutor do enredo é o conde Drácula, responsável por todas as situações descritas. O mais interessante, no entanto, é que o próprio Drácula pouco aparece; sua materialização é destinada somente aos primeiros e últimos capítulos do livro.
Apesar de "sumido", Drácula continua agindo e dando asas aos mistérios que ocorrem na Inglaterra. Há a aparição de morcegos e lobos, o surgimento de uma doença inexplicável que parece consumir a Srta. Lucy Westenra dia após dia, e a acentuação da loucura do Sr. Renfield, um paciente zoófago da clínica do Dr. Seward. Precisando de ajuda especializada, Seward recruta seu amigo Van Helsing, que começará a juntar as informações.
Dessa forma, o livro, para mim, pôde ser dividido em duas partes: a primeira, quando os personagens ignoram a existência do vampiro e a segunda, quando selam um pacto entre si para caçá-lo.
Nos primeiros 50% - que contêm meus momentos favoritos - há maior tensão e aventura, além de uma corrida contra o tempo para tentar compreender e minimizar os efeitos das obras de Drácula. O medo se faz presente a todo instante, e senti grande anseio pelos momentos de revelação.
A partir da segunda parte, a narrativa adquire maior caráter romântico e melodramático. Há inúmeras citações que exaltam a bem-aventurança de Mina Harker - a principal mulher da história - bem como a virilidade e a coragem dos homens. Os trechos também exalam tristeza e solidão e, apesar da busca incessante por Drácula, perdem um pouco da vivacidade anterior.
Outro ponto interessante a se destacar é a construção dos contrastes, pois o que mais se encontra em "Drácula" é a oposição: bem e mal, saúde e doença, luz e sombra, visível e invisível, superstição e ciência, fé e razão, céu e inferno, divino e não divino. Visivelmente, as citações a Deus são inúmeras, enquanto a palavra vampiro é proferida pouquíssimas vezes.
Quando iniciei o livro, achei que facilmente me cansaria dele. No entanto, apesar de bem descritivo em relação a paisagens e fisionomias, Stoker inclui as doses de aventura na medida certa. Dessa forma, apesar de antiga, a história do vampiro mais conhecido do mundo consegue entreter e manter o suspense em suas 480 páginas.
Além disso, a edição da Zahar por si só é um espetáculo, por conter inúmeras notas e comentários que ajudam a ambientar e entender melhor a história.
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QUOTES:
"Naquele instante, vi que o corte sangrara um pouco, e que o sangue estava escorrendo por meu queixo. Deixei de lado a navalha e me virei para procurar um curativo. Quando o conde viu meu rosto, seus olhos cintilaram com uma espécie de fúria demoníaca, e ele me agarrou subitamente pelo pescoço. Recuei, e a mão dele roçou as contas do rosário do qual pendia meu crucifixo. Isso operou nele uma transformação instantânea, pois sua fúria passou tão depressa que nem pude acreditar que sequer estivera presente."
"Você não acha que existem coisas além da sua capacidade de compreensão, mas que, no entanto, estão aí?"
"Existem mistérios sobre os quais os homens só podem formular hipóteses e que, ao longo das eras, serão solucionados apenas em parte."
"Aprendi a não desdenhar das crenças de ninguém, por mais inusitadas que pareçam. Tento manter a mente aberta, e não vão ser as coisas comuns da vida que haverão de fechá-la, mas as peculiares, as extraordinárias, as que fazem a pessoa duvidar se está louca ou sã."