Flávia Menezes 08/12/2022
DORIAN GRAY FAZ ATÉ O CHRISTIAN GREY PARECER UM PRÍNCIPE!
?O Retrato de Dorian Gray?, do autor e dramaturgo Oscar Wilde, foi publicado pela primeira vez em 1890, como uma história periódica, pela revista mensal ?Lippincott´s Monthly Magazine?, tendo sido suprimidas, sem o conhecimento do autor, cinco centenas de palavras contidas na sua versão original. O motivo pelo qual tal corte foi feito, foi porque os editores temiam que a história fosse indecente. Porém, mesmo assim, a obra foi tida pelos críticos literários britânicos como uma ofensa à moral, e alguns até queriam que Oscar Wilde fosse acusado de violar as leis que protegiam a moralidade pública.
De fato, tanto a obra quanto o seu autor causaram grande polêmica na época, tendo, inclusive, o livro sido tirado de circulação pela própria revista que primeiramente o publicou, e Oscar Wilde ainda precisou enfrentar um julgamento em 1895, por sua obra ter sido considerada um ?romance pervertido?.
Mas basta ler o romance para entender os motivos pelos quais, para a época, ele causou tanto escândalo. Sua narrativa e diálogos não poupam em nada da denúncia à futilidade da nobreza, bem como um tom ácido de menosprezo às mulheres, numa exaltação ao masculino, à juventude e à beleza.
Entendo que esse se trate de um romance clássico muito à frente do seu tempo, e que ainda renda muitas análises literárias riquíssimas, e por isso mesmo é que me sinto no dever de dizer que quero apenas me ater às minhas impressões e sensações durante essa leitura. Como sempre digo, não sou ninguém na fila do pão para analisar um grande escritor como Oscar Wilde, nem muito menos quero com isso influenciar ninguém com o que escrevo abaixo. Mas quero poder expor minhas sensações, registrando aqui, cada uma delas da forma como foram sentidas.
Não tenho nenhuma dúvida quanto a genialidade do autor por trás desse grande clássico, mas eu confesso que seus diálogos intelectualizados que concederam à obra o título de romance filosófico, por muitas vezes, para mim, não passava de uma forma muito culta de distorção dos valores e crenças sociais, impondo um pensamento que parte de um ponto de vista (o do autor, é claro!).
Quando me refiro aqui à valores e crenças, quero, na verdade, falar sobre a forma debochada, agressiva e arrogante com que um dos personagens principais fala tanto do casamento, quanto da religião. Acredito que todos nós tenhamos o nosso direito de expor nossas ideias e convicções sobre esses ou quaisquer outros temas, porém, uma coisa é divagar sobre algo, e outra (bem diferente!) é mostrar uma versão deturpada da sua visão de mundo, como se as demais pessoas fossem ignorantes o suficiente para nunca terem percebido.
Uma coisa que me incomoda muito é essa ideia de que as normas sociais são meramente limitadoras, evidenciando o individualismo como se fosse uma forma mais elevada de pensar, por permitir ao outro fazer o que bem lhe convêm. Mas aqui eu pergunto: imagina se cada um quisesse viver ao seu modo, e fazer tudo o que lhe desse na telha? E se o seu vizinho quisesse jogar o lixo na sua casa, por exemplo? Ou se todo mundo quisesse ouvir som alto, cada um de um gênero musical, ao mesmo tempo? A vida seria um verdadeiro caos! Por isso temos as nossas normas sociais. Não para censurar, mas para que possamos respeitar os espaços um do outro, ou seja, onde eu termino e o outro começa.
Quanto ao seu personagem principal, Dorian Gray, ele realmente faz o Christian Grey (de "Cinquenta Tons de Cinza") parecer um verdadeiro Príncipe Encantado, porque muito embora ele seja descrito como um homem muito belo, ele é tão somente o retrato do egocentrismo mesclado com uma total falta de personalidade, onde o personagem se submete cegamente aos comandos (bem diferente de receber conselhos, ou orientações) de um homem arrogante e frustrado, que vê na sua maturidade uma vida de tédio e total falta de prazeres. Aliás, o livro gira o tempo todo em torno unicamente do conceito freudiano do princípio do prazer.
Até entendo que essa visão da nobreza como fútil descreve bem o contexto sócio-histórico da época, mas a forma como as mulheres são inferiorizadas de forma generalizada, é bastante degradante e exagerada. E mesmo quando Dorian se apaixona por uma bela jovem atriz, Sybil Vane, ele a reduz à imagem idealizada que ele faz dela, não dando espaço algum para conhecer a verdadeira pessoa por trás dessa fantasia que ele mesmo cria.
Mas a verdade é que, quando idealizamos alguém por quem estamos apaixonados, automaticamente já condenamos essa relação ao fracasso. Dentro da religião, adoramos e idolatramos a Deus, e ao colocarmos a pessoa que amamos (ou por quem estamos apaixonados) em um altar, não deixamos espaço para que ela seja humana, e possa cometer erros.
Mas ser humano é cometer erros! E quando a idealização nos cega, assim como acontece com Dorian Gray, e nos deparamos com uma mera pequena falha do ser adorado, ele automaticamente passa a se tornar um reles mortal, e totalmente indigno de tamanha admiração e adoração.
Meu desgosto com a parte sobre o romance de Dorian com Sybil, é que, para mim, mais parecia uma cópia de "Hamlet" de Shakespeare, com a Sybil refletindo com exatidão o destino de Ophelia.
Além disso, o que mais me incomodou mesmo, e quase me fez desistir da leitura, foi essa idolatria excessiva à beleza do Dorian Gray. Além do motivo já exposto anteriormente de uma beleza sem qualquer conteúdo interno (personalidade, inteligência, e até de atitudes), essa é uma visão tão distorcida sobre o ser jovem e ser belo, que chegou a ser entediante.
Muito embora o autor traga a questão do narcisismo, concedendo ao Dorian o perfil arrogante e egocêntrico que são características próprias do quadro, eu confesso que vi o conceito, porém de forma muito superficial.
Mesmo a questão da valorização da juventude como parte da nossa crise existencial ligada ao envelhecimento, eu vi muito mais sobre uma juventude do masculino, e uma grande valorização da virilidade do solteiro, como se, ao se casar, o homem perdesse todo o seu vigor para a sexualidade, do que o propriamente medo do envelhecer, que traduz o nosso medo de sermos mortais.
Confesso que não vi nesse livro nada muito fora do que já foi trabalhado por Shakespeare anteriormente, até porque o próprio autor se inspira nele para compor sua história. Não apenas nele, é claro! Mas essa parte, para mim, ficou bastante evidente.
Clássicos são clássicos e merecem seu lugar de respeito, e de fato esse livro pode render uma boa discussão bem acalorada. Porém, ainda assim, acredito que ele não seja interessante para todos. Bom... confesso que para mim, realmente ele não foi. E mais uma vez enfatizo, sua genialidade é incontestável, mas não me deixou nada ao final.
Mas esse é só o meu ponto de vista. E como todo bom ponto de vista, ele é apenas a vista de um ponto. O que faz com que outros pontos de vista, muito diferentes do meu, possam ser retirados dessa leitura, por muitas pessoas diferentes. Mas não é essa magia dos livros?