Rodiney 01/06/2020
Tão obscuro, demasiadamente, obscuro.
Toda pessoa que adquiriu conhecimento por seu próprio sacrifício se identificará com Judas, pois todo seu conhecimento vem da leitura livre dos clássicos e não das salas de aula de Universidades. Isso não quer dizer que Judas não desejava ingressar em uma Universidade, ao contrário, esse era o seu maior desejo. No entanto, a classe social de Judas não produzia intelectuais, mas artífices. E essa sina o martirizará por toda sua breve vida.
Desculpem-me os admiradores da obra-prima de Hardy, mas Judas não ama Suzanna. Judas não amou sua tia-avó, nem Arabella, nem o professor Phillotson, nem os seus filhos, nem ninguém. A obscuridade de Judas é justamente o seu desamor. Quero dizer: sua incapacidade de amar. Judas só tem um único desejo: Christminster. Não, não é propriamente Christminster, mas suas escolas e universidades. Judas deseja ardentemente fazer parte daquela classe divinamente separada dos intelectuais. Mas o tempo ainda não estava preparado para pessoas como Judas e pairava sobre ele uma nuvem densa e escura, obscura mesma. Daí, Judas se revolta contra a cidade, os professores, as escolas, e pensa amar perdidamente Suzanna. Porque Suzanna zomba de toda essa sociedade, de como a sociedade está organizada. Ela zomba de todas as convenções e tem um desejo imenso por ser o que ela deseja ser, casar com quem ela deseja casar, na verdade, ela nem mesmo deseja casar, pois o amor é como a liberdade e não pode estar sujeito a convenções. E Judas por revolta e não por amor se afasta de suas crenças e se aproxima cada vez mais das ideias de sua prima-amante. Judas abandona todos seus ideais e interioriza as falas e ideias da mulher. (É importante destacar na obra de Hardy o papel protagonista das mulheres, papel este que começa a revelar sua libertação e até mesmo influência sobre o destino dos homens). Contudo, nosso herói obscuro experimentará mais uma desilusão, a saber: a capitulação de Suzanna. Depois da tragédia que caiu sobre seus filhos, Suzanna é dominada pela desesperança e toda sua força se torna fraqueza e capitula diante das convenções que tanto zombou no passado. Suzanna passa a se entender pecadora e amaldiçoada, coisa que assombra nosso obscuro Judas. Agora não é mais a mulher que influencia o homem, mas a obscuridade do homem domina a mulher. E ironicamente, essa tragédia que leva Suzanna à capitulação acontece justamente quando Judas tenta novamente recuperar seus ideais em Christminster, seu verdadeiro amor. E como se o próprio zeitgeist que está inserido se levantasse contra sua ousadia de se libertar de sua condição social, proporciona-lhe uma mazela insuportável. "Não, Judas, você não é um dos nossos, você pertence à obscuridade da História!".
Por fim, não lhe sobra mais nada. O que sucede depois é simplesmente nada, um vazio, o sem-história. Judas retorna à embusteira Arabella e pela segunda vez é enganado e preso perpetuamente no engano. Suzanna se anula e se perde nas convenções sociais. E a vida segue, indiferente, esperando as mudanças naturais do tempo. E ninguém, ninguém mais se lembra de Judas.