Matheus 04/01/2021
um soco no estômago
Este é um livro sobre sentir. Medo, angústia, revolta, nojo, tristeza, em raros momentos, alegria. Perder a visão, afinal, não te impede de ver através do tato, do afeto, do cuidado.
A "treva-branca" que nubla o olhar sem afetar a fisicamente os olhos, vulnerabiliza também o leitor, tornando-se quase impossível não haver um forte laço entre quem lê e os personagens sem nome do romance, inesperadamente cegos. Nessa jornada, somos convidados a sentir o que sentem os infelizes, a descer ao inferno junto com eles, a examinar como lidam uns com os outros e consigo mesmos.
A escrita de Saramago, com seus parágrafos extensos e diálogos aglutinados à narração, provoca uma sensação inicial de desamparo, as vozes surgem no texto como se fôssemos nós também cegos. Gradativamente, o estranhamento te fisga para um ritmo intenso que te torna refém dessa parábola brutal.
Quando uma civilização inteira perde a capacidade de ver, onde vamos parar? O que afinal te torna humano, de qual substância é feita a tua "humanidade"?
Saramago escreveu uma obra arrebatadora e atemporal. Nenhum leitor sai ileso. E afinal, o mais assustador aqui, por incrível que pareça, não é o medo de ficar cego, mas o de já estar cego. Um cego que vê, mas não repara. Ou quem sabe, ver numa terra de cegos, o que, como ressalta a mulher do médico ao longo do romance, é, em certa medida, não ver.