P 27/11/2020
O brilho de Jessica Jung.
São poucos os fãs de K-Pop que não conhecem as falácias que rondam a saída (ou, nas palavras da própria, expulsão) de Jessica Jung do lendário grupo feminino Girls' Generation, o qual fez parte por sete anos. Desde rumores de que ela estaria deixando o grupo para casar-se com Tyler Kwon, seu atual namorado, até teorias maliciosas de que Taeyeon, líder do Girls' Generation, por desavenças pessoais com esta, havia a expulsado por detestá-la e por Jessica ser, teoricamente, deveras preguiçosa e desleixada com a agenda de treinos do grupo. Com tanto falatório, não são poucas as pessoas que gostariam de ouvir, diretamente de cada uma das meninas, suas próprias versões da história. Jessica realmente tinha uma difícil convivência com as outras oito garotas? As outras integrantes do grupo estariam, de fato, se sentindo ameaçadas com a então noviça marca de roupas de Jessica, a Blanc & Eclare? Apesar da curiosidade geral, a SM Entertainment (ou seria DB Entertainment?), empresa que criou e administra o grupo, executou um excelente trabalho ao agir como se Jessica nunca tivesse sido parte do Girls' Generation, apesar de seu papel de extrema importância como vocalista principal. Com as outras integrantes provavelmente sendo impedidas de falar da nona membro e com Jessica sendo vítima de um bloqueio da SM, sendo impedida de promover suas músicas como solista e de aparecer na mídia sul-coreana apropriadamente, quem se interessava por essa pauta estava convencido de que esse acontecimento seria mais um "segredo obscuro" do K-Pop, o qual o grande público jamais iria saber o que "realmente" aconteceu. Isso até a possibilidade do que seria dito no livro de Jessica surgir.
A autora soube como criar um clima de expectativa em relação ao livro. Reunindo a proposta de uma história que narra a jornada de uma coreana-americana que está tentando traçar seu caminho em direção à estreia em um grupo feminino de nove garotas, Jessica Jung brinca com o que o leitor provavelmente está pensando: "estaria ela narrando sua própria história?". A proposta principal do enredo não é a única referência compreensível: o fato de Rachel Kim, protagonista de Shine, ter uma irmã cinco anos mais nova que também quer tornar-se uma idol de K-Pop e o notável gosto da personagem pela moda são fatores que me fizeram sorrir internamente ao notar similaridades com a própria Jessica.
Relevante ressaltar como Jessica alterou a data de estreia do livro do início de outubro para o final de setembro, na data de sua saída do Girls' Generation: 29 de setembro.
Admito que iniciei a leitura de um modo um tanto afoito e paranoico: eu estava ávido para encontrar qualquer referência em relação às soshis (como são chamadas as integrantes do Girls' Generation) e à SM Entertainment, mas, logo passei a usufruir a leitura de maneira mais tranquila. Se quer uma sugestão, faça o mesmo. Por mais que haja uma clara inspiração em acontecimentos reais da vida de Jessica como trainee, Shine não é uma exposição da convivência da autora com suas ex-colegas de trabalho.
Shine não narra uma história revolucionária ou especialmente chocante. A cansativa rotina dos trainees, as cirurgias plásticas, as dietas intermináveis, a proibição de namoros (a qual só é direcionada às mulheres) e o cenário de extrema competição são fatores facilmente imagináveis pelos fãs de K-Pop graças às confissões anteriores de idols, ex-idols e ex-trainees da indústria, entretanto, o peso das palavras de uma mulher que dedicou mais de uma década de sua vida para o K-Pop ainda é de extrema relevância. Shine, além do uso de várias palavras em coreano (sem tradução, para que o leitor possa pesquisar e, de fato, descobrir o que está sendo dito), é uma ótima introdução para os "bastidores" de um mundo que aparenta ser de tamanha impecabilidade.
Com a utilização de clichês como um romance proibido e uma antagonista deveras maquiavélica, Shine é narrado de forma leve, divertida e envolvente, rapidamente fazendo com que simpatizemos com a protagonista e passemos a torcer por ela. Apesar de estar inserida em um ambiente que não admite falhas, Rachel é uma adolescente como qualquer outra: insegura, impulsiva e sensível, o que me fez rapidamente desenvolver empatia por ela.
O livro também aborta temas de elevada importância como machismo e racismo e xenofobia contra asiáticos amarelos, o que me deixou genuinamente surpreso. Não pude deixar de me emocionar com o desabafo de uma garota que admite se sentir abandonada pelos dois mundos do qual faz parte: o ocidente e o oriente. Na América, caçoam de sua aparência e dos milenares hábitos que sua ascendência coreana lhe proporciona. Na Coreia, torcem o nariz para seus estrangeirismos demasiadamente modernos e, por vezes, "desrespeitosos". O machismo também pesa em suas costas com os comentários sobre sua aparência e comportamento perante artistas masculinos da DB. A falta de liberdade artística que os idols de K-Pop experienciam também é citada.
Admito que o livro não era o que eu esperava, mas, não estou exatamente decepcionado. O resultado era apenas algo diferente do que eu tinha em mente, tanto que estou curioso e necessitado por uma continuação! O livro deixa várias "pontas soltas", terminando de forma um tanto apressada, o que faz com que uma "parte dois" seja totalmente justificável e, para mim, necessária. Penso eu que uma continuação seria a oportunidade ideal para que Jessica expusesse outros aspectos mais "desconhecidos" para o grande público, como a relação de idols com seus fãs e as desavenças entre o que, para os olhos do fandom, é uma família: a "invejável" amizade entre as integrantes de um grupo.
Eu preciso de mais do brilho de Jessica Jung em Rachel Kim.