Resenhas - Na casa dos sonhos

@retratodaleitora 14/07/2021

Brutal e necessário
“Um livro de memórias é, em sua essência, um ato de ressurreição. Quem escreve as próprias memórias recria o passado, reconstrói diálogos. Conjura o significado de acontecimentos há muito adormecidos. (...) Venho registrar no arquivo que o abuso doméstico entre casais que compartilham da mesma identidade de gênero é tanto possível quanto relativamente comum, e que pode acontecer mais ou menos assim. Falo em direção ao silêncio. Jogo a pedra de minha história numa fenda imensa, e meço o espaço vazio pelo som mínimo.”



Em “Na Casa dos Sonhos”, Carmen Maria Machado, autora do também incrível “O Corpo Dela e Outras Farras”, vai compartilhar com os leitores um relato doloroso sobre os abusos que sofreu em um relacionamento com outra mulher, assunto que ainda é um tabu, e por isso extremamente necessário. Foi uma experiência muito marcante ler a história de Carmen, enquanto ela expõe suas feridas mais profundas, as marcas que ficaram, as cicatrizes. E o quanto ela sofreu! Impossível sair ilese dessa leitura.

“Na Casa dos Sonhos” também vai tentar desmistificar as relações LGBTQIA+ compartilhando informações muito importantes e teorias sobre o assunto, além de falar abertamente sobre suas experiências pessoais sendo uma mulher queer em um relacionamento lésbico.

É um livro muitíssimo profundo, extremamente tocante e realmente doloroso de ler. Tem muitos gatilhos para quem já sofreu, e sobreviveu, a relacionamentos abusivos. Um desabafo realmente muito impactante, real, provocante. De tirar o fôlego mesmo.



“Você não tem coragem de dizer o que pensa de verdade: eu cortei as histórias em pedaços porque eu estava caindo aos pedaços e não sabia o que fazer.”



A forma como Carmen Maria conta sua história é bem única, escrevendo realmente aos pedaços, como se tomasse fôlego entre uma parte e outra. E esse fôlego é muito necessário também ao leitor, pois pode ser uma experiência bem sufocante ler algo tão verdadeiro e traumático.

Livro incrível! Recomendo fortemente.

site: https://www.instagram.com/p/CRCtE-nr2TD/

Giovana 25/06/2021

Não sabia o tema o do livro ao começar a leitura. Li em cerca de três dias. Metade do livro foi todo de uma vez só.

Você torce para que a história, de alguma forma, acabe bem, sem maiores sofrimentos apesar dos que já existem.

Além de algo autobiográfico existe uma pesquisa envolta ao tema, que ajuda a abrir espaço para novas posições.

Os capítulos são curtos e isso ajuda a construir a atmosfera cortando do que é lido. Recomendo, vale a leitura e a angústia.

José Marques 23/06/2021

Infelizmente a casa dos sonhos pode lhe prender e oprimir.
Carmen Maria Machado vai nos contar a sua angustiante história de relacionamento abusivo vivido com sua ex-namorada com uma narrativa diferente e muito envolvente referenciando textos, filmes e músicas, que ajuda ainda mais na imergência de quem lê.

Nos detalhes vemos pedaços de situações que provavelmente vivemos em nossas vidas ou com pessoas próximas. Quem nunca viu um relacionamento abusivo se manifestando diante dos seus olhos?

Na sua história temos uma particularidade, que pouco é abordado na literatura, o relacionamento abusivo na comunidade LGBTQIA+. Carmen vai explicar bem isso quando fala sobre o "silêncio do arquivo" ou "violência do arquivo" ao se referir a ausência de registros de relatos desses casos.

"[...] às vezes uma história é destruída, as vezes ela sequer chega a ser dita; seja como for, nossa história coletiva sofre a perda irreversível de algo grandioso."

Em vários momentos me vi falando enquanto lia: Carmen, como você permitiu isso? Carmen, sai daí! Coisas de quem está de fora e pensa que é simples e fácil lidar com algo tão complexo e particular como esses relacionamentos.

O plot twist da sua história é surpreendente! Só lendo para saber.

RECOMENDO!!!

marina.martins. 15/06/2021

Casa dos sonhos como leitura necessária
?O horror, que supostamente deveria ser externo à vida doméstica, se infiltra na casa?

O livro, narrado de forma nada convencional, aborda questões até então pouco discutidas, como a violência doméstica na comunidade queer, mais especificamente lésbica.

Algumas questões, como o próprio abuso psicológico, passam a transcender relações heteroafetivas e ganham a cena em um ensaio extremamente autobiográfico de uma mulher norte-americana lésbica.

Algumas reflexões são postas, como:
- o que podemos considerar como abuso sexual?
- por que os abusos queer não são datados da mesma maneira que os heterossexuais?

Livro interessante e rico em referências. Não dei 5 estrelas porque alguns capítulos são cansativos e/ou fogem do tema principal, mas continuaria indicando tranquilamente.

Thammy 09/06/2021

Surpreendente, inteligente e dolorido.
Livro excelente, embora bastante dolorido. A autora conta, com muita coragem, todas as nuances desse relacionamento tóxico que quase lhe levou à ruína e, de maneira muito inteligente, irônica, crítica e honesta, entremeia esses detalhes com inúmeras referências (estudos, artigos, curiosidades etc.) para falar sobre uma questão pouco debatida na sociedade: a violência doméstica entre casais homoafetivos (nesse caso, entre um casal lésbico). Tem uma escrita dinâmica, quase eletrizante que, muitas vezes, te obriga a parar, respirar e refletir demais sobre o que foi lido. Te transporta para uma realidade dura, de dor e sofrimento que, definitivamente, precisa sair das "4 paredes", ganhar visibilidade e ser combatida. Amei demais o estilo narrativo e a sinceridade dessa autora. Já virou uma das minhas favoritas na temática LGBTQIA+. Recomendo muito.

Juliana @julianaaf 03/06/2021

"era um livro sobre uma casa que não era uma casa e um sonho que não era sonho coisa nenhuma"

um livro de memórias que se mistura com um livro de estudo, a autora busca aqui trazer sua história de um relacionamento abusivo com outra mulher, ao mesmo tempo em que vai pincelando histórias pouco faladas sobre o mesmo tema.

reflexivo e bastante incômodo, você não consegue encara-lo de uma vez, eu lia um pouco e logo depois precisava "tomar um ar"

recomendo a leitura para quem gostaria de sair de sua zona de conforto e imergir na história de Carmem, porém, com aviso de gatilhos

yomaeli 30/05/2021

"Aquilo que me nomeia, me quebra."
"A Casa dos Sonhos nunca foi apenas a Casa dos Sonhos. Ela era, de acordo com a ocasião, um convento de esperança [...], um antro de depravação, [...] uma prisão [...] e, por fim, uma masmorra da memória."

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O livro me pegou pela ilustração da capa BR. Alguém tão grandioso para uma casa tão pequena.

Carmen, bi, faz da obra um grande relato do relacionamento abusivo que teve com uma mulher, a qual simbolicamente representava uma casa - que com o tempo mudou as cores da parede, teve rachaduras e desmoronou.

É doloroso ler alguns relatos, não por conter violência gráfica, mas por ter tantas violências psicológicas e serem gradativamente sufocantes e revoltantes. Com o tempo a prisão psicológica que a ex criou foi tirando de Carmen sua força, deixando-a desconfiada de seus próprios desejos, atitudes e percepções.

A mulher da Casa dos Sonhos era, no começo, sinônimo de liberdade, não-monogamia, aventura e libertação sexual, que aos poucos foi demonstrando ações abusivas, invasivas e manipulativas. Acabei exercitando me colocar na situação e refletir: Será que algum dia eu já estive nessa posição também? - seja como vítima ou como o outro lado. A autora mexe com a nossa empatia, nos coloca na sua vida e narra sobre como as relações entre mulheres, ou qualquer outra relação que fuja dos moldes heteronormativas, acabam tendo essas violências jogadas para debaixo do tapete e subestimadas pelas pessoas.

Além de contar suas experiências com essa mulher e essa jornada que foi do céu ao inferno, usa de elementos da literatura, linguística, do cinema e de críticas sociais para criar reflexões potentes sobre a comunidade lgbt, a representatividade e representação lgbt na mídia, a construção da violência simbólica e psicológica nas relações, além de contar também sua realidade e os estigmas sofridos enquanto uma mulher gorda.

Com capítulos curtos, a leitura não é para ser feita sem moderação. As doses homeopáticas são necessárias para compreendermos todas raízes da relação abusiva e assim, mais tarde, entendermos também as marcas que ficaram.