Danilo 01/06/2023
Hoje em dia está “tudo bem”
Próximo do que seria o curso final dessa história a sensação que me pegou foi o alívio por saber o pior já tinha passado, afinal de contas a autora conseguiu finalizar o trabalho que se dispôs a fazer. Não há nenhuma linha de conformismo nesse sentimento, muito pelo contrário, uma vez que junto com alívio vem carregado o pesar de saber que alguém passou por tudo isso. E a palavra tudo aqui é no sentido mais amplo que possa existir.
Pensei um pouco se deveria escrever sobre os sentimentos que me foram despertos com essa leitura porque sei que de longe tenho a coragem da Carmen, mas me arrefece o coração saber que meu alcance é quase nulo e mais valerá como um registro do que qualquer contribuição ou exposição.
Aos que sempre se perguntaram como poderia alguém se submeter a esse tipo de experiência, “"Casa dos sonhos como dando nomes aos animais”" foi a tipificação de fato mais palpável que já consegui reconhecer como resposta a essa pergunta: “"Atribuir linguagem a uma coisa para qual você não tem linguagem não é tarefa fácil.”". Se perceber dentro de uma situação da qual não se há nem referência, é difícil até de nomear. Por muitas vezes fica apenas no olhar de quem está sofrendo e interpretado por um outro alguém que já sofreu. Ainda que seus próximos o vejam definhar, não se tem conhecimento de como é possível lançar uma ajuda efetiva sem que se aparente provocar ainda mais sofrimento. É como pedir ajuda em uma sala superlotada de conhecidos, mas uma sala completamente escura: ninguém sabe de fato o que fazer.
No decorrer em que os episódios vão delimitando uma formatação e você consegue nomear a situação, sua mente já se encontra tão afundada no que sempre lhe pareceu normal, que qualquer movimentação diferente de sua parte, qualquer deformação daquele espaço lhe parece extremamente perigoso e sua mente não sabe como reagir. Seu sistema de fuga ou luta é disparado e a qualquer momento você pode sucumbir, literalmente. “"Quando você entra no seu quarto, o celular está lá parado, conectado ao carregador. Imóvel e pérfido. Quando você pega o aparelho, há chamadas perdidas e mensagens de texto. Você liga de volta para ela, TREMENDO, COM OS MÚSCULOS DO PEITO SE CONTORCENDO DE ANSIEDADE".” (Casa dos sonhos como thriller de ficção científica).
Uma solução fácil e rápida para esse tipo de caso é o término, claro. "Casa dos sonhos como homem vs. homem" me pareceu muito uma alusão sobre o estado reacionário à perda do relacionamento. “’"'Greta’', você disse, ‘'vai! Se liberta! Corre!’' Ela só olhou para você com uma expressão muito triste, muito pesarosa. Ela poderia ter fugido. A porta estava aberta. Mas era como se ela nem soubesse o que fazer.”". Nesse ponto, o sistema de fuga ou luta é tão constantemente mantido que sua ausência resulta numa inércia total.
Viver esse tipo de experiência não é um procedimento fácil com princípio, meio e fim bem delimitados. É de um desenvolvimento lento e contínuo, cercado de comportamentos e falas clichês, mascarado de sentimentalismo. Poderia citar diversas outras passagens, até porque não foi difícil a identificação com Carmen nessas páginas, mas uma em particular me acompanhou do momento em que a li, até seus agradecimentos. Em “"Casa dos sonhos como libreto"” a autora me resumiu todo o seu trabalho nas linhas finais desse capítulo: “"Aí ele a esfaqueia e ela morre. Confessando seu crime à multidão que se aglomera, ele se joga sobre o cadáver de Carmen e grita: 'Ah, Carmen! Carmen, minha adorada!', como se não tivesse acabado de matá-la com as próprias mãos.".” Não há nada que justifique o abuso.