Malle 12/06/2024
Esse livro me deu dor de barriga.
O que dizer sobre "Café com Lichia", de Emery Lee, o livro que me colocou em uma ressaca literária de semanas a fim? O primeiro romance queer ruim a gente nunca esquece.
Falando em poucas palavras sobre o que se trata: acompanhamos Theo, um rapaz assumidamente gay de família chinesa e japonesa cuja cafeteria tradicional dos pais não segue bem financeiramente e que concorre diretamente com a cafeteria dos pais de Gabi, um rapaz temeroso e que ainda não se assumiu, cujos pais porto-riquenhos lançam comentários homofóbicos e masculinidade forçada espontaneamente, sem saber que o filho não se encaixa em seus padrões heteronormativos.
Theo tem a sensação de que desde que se começou a ter problemas na escola com notas e se assumiu, os pais se decepcionaram com ele; Gabi tem um medo intenso de que seus pais descubram sobre sua sexualidade e hobby de dança. Ambos se encontram em ambiente certamente um tanto hostil: os pais de Theo exigem constantemente certos comportamentos dele de que o próprio, sendo um jovem autêntico e espontâneo, não se encaixa. Gabi passa por algo semelhante, constantemente mentindo e escondendo dos pais grande parte de sua personalidade.
De certa forma, acredito que Emery Lee passou com grande realidade as dores e sufocos da juventude queer como um todo, de uma forma um tanto realista. Se assuma e sua família te julgará e excluirá constantemente; não se assuma e sufoque por viver uma mentira para agradar pessoas que te machucam psicologicamente quase todo dia. Theo e Gabi vivem dois lados da mesma moeda, e não ajuda que Theo, que até onde sabemos é o único homem gay em toda Vermont (é a sensação que dá na história), odeia Gabi.
Odeia Gabi por motivos de "dane-se".
O meu maior problema com esse livro é que NÃO é um enemies-to-lovers. O único inimigo é o Gabi e o pobre coitado nem sabe o que fez para Theo odiá-lo constantemente, razão do qual temos cenas um pouco angustiante de Gabi se humilhando para conseguir a aprovação circunstancial de Theo. É algo doloroso de se testemunhar, tanto que me faz questionar totalmente a natureza dos sentimentos desenvolvidos entre os dois: eles realmente se gostam, ou é só porque, em uma comunidade completamente ausente de qualquer outro personagem queer (com exceção de um que surge no final), eles buscam consolo um no outro? Eles nem parecem ter tanto em comum, pois brigam constantemente por coisas idiotas e do qual Gabi não tem culpa e, da mesma forma, e magicamente se tornarem amigos após Theo descobrir que Gabi não é hétero. É uma coisa meio idiota que acontece de forma super artificial, como se deveríamos gostar porque são dois jovens gays e gay + gay = casal.
Outro ponto de grande disparate foi que, realmente, os pais de ambos se encaixam em estereótipos de suas respectivas comunidades. Os pais de Theo são tradicionais ao quadrado e os pais de Gabi seguem o conceito de machismo latino; estes fortemente desfavorecidos em relação a construção de personagem, deixando-os apenas com a sensação de que são porto-riquenhos homofóbicos e machistas, completamente alheios a vida do filho. E tudo isso ocorre porque, e vamos ao meu ponto final:
O Theo é o favorito da narrativa.
Ele é melhor construído do que Gabi, sua vida parece mais natural, suas reações orbitam ao redor de diferentes problemáticas: os pais, o novo concorrente, Gabi, o irmão que não liga mais, o tio insuportável, os problemas na escola, o futebol. Ele parece ser um personagem pensante dentro da história, enquanto que o pobre Gabi tem sua vida resumida a ajudar Theo em seu plano, deixando todas as suas outras responsabilidades (e compromissos com sua única amiga) de lado. Suas reações ocorrem em sua maioria por conta de Theo, seus pensamentos envolvem muito ao redor Theo. Aqui e ali vemos lampejos de sua amiga Melissa e o comitê da festa da escola, sua aula de dança... mas Theo vira o mundinho de Gabi. Pareado isso com a forma como Theo o trata no início da história, dá pra entender porque eu digo que é doloroso de se ver? Um adolescente já tão sufocado, deixado de lado pelos pais, buscar validação do único rapaz gay da escola que lhe trata como se fosse uma praga no começo do livro.
E quando colocamos a quantidade quase constante de pensamentos tristes e autodepreciativos dos dois que temos por 75% do livro, isso vira uma tortura.
O desenvolvimento do romance no geral é bem rápido e meio que é aquela coisa de pá-pum. O desfecho, por conta de como os pais dos rapazes são retratados e agem no livro (com exceção, é claro, dos pais do Theo, cujo desfecho é mais natural porque é bem melhor desenrolado no livro) é quase milagroso. E destoa muito com o tom melancólico do livro, de dois rapazes gays de famílias opressoras que tentam achar sentido em suas vidas, mas que no final para ficar tudo bem, foi só fazer uma dancinha do TikTok num trio-elétrico. O final feliz foi inesperado e estranho levando em consideração que em 50 páginas atrás, metade era "haha gays são péssimos e isso é coisa de menina" e a outra metade era "seja mais como o seu irmão, que é melhor que você".
Se vale a pena ler? Eu não sei. Sinceramente. Para mim foi mais um sufoco triste do que prazeroso. Eu acho que a sinopse não passa muito a vibe de sad gays que esse livro tem e a capa fofa não favorece. E a construção de personagem menos ainda. Leia por sua própria conta e risco.