Lauraa Machado 09/10/2020
Excelente, complexo e cheio de realismo mágico!
Esse livro é sobre magia. Antes de qualquer coisa, é sobre magia, necromancia, magia dos elementos, objetos encantados, adivinhação do futuro, portais mágicos, fantasmas e outras coisas. De todas as resenhas que eu li antes de comprar e ler esse livro (e foram várias), nenhuma conseguiu deixar claro o clima e o tema do livro. A autora usou sociedades secretas reais da Universidade de Yale e deu a cada uma delas um tipo de magia, criando uma nona casa cuja responsabiliade era mantê-las na linha. Acima de tudo, esse livro é sobre magia.
Eu fui de querer muito ler e comprar uma edição especial e cara do livro, passei por resenhas negativas de pessoas em que confio e cheguei a pensar que odiaria a leitura, cancelando em seguida a compra e escolhendo então a edição comum. Ia até começar a ler outro livro, mas sonhei um dia que estava lendo este e resolvi transformar em realidade. Foi um dos livros que mais me fizeram ter que procurar coisas na internet. Desde palavras que eu não conhecia (que foram poucas) a títulos de livros (foram muitos) e até lugares (mais por curiosidade do que qualquer coisa). É uma leitura consideravelmente parada. Quando a narrativa é pelo ponto de vista da Alex, a autora não mede palavras e dá para ver a personalidade dela no jeito que ela descreve as coisas. É por causa da Alex, de tudo que ela passou e viveu e como ela vê o mundo, que esse livro é considerado adulto. Algumas descrições (rápidas) de cenas aqui e ali que forçaram a editora a marcar como para maiores de dezoito.
Digo isso, porque todo o resto do livro encaixaria muito bem no gênero YA. Sinto que falta algo assim no mundo, livros YA para maiores de 18. Precisamos de um termo novo. Não pode ser NA, porque esse é um gênero completamente diferente. Se eu fosse a editora, teria medido algumas palavras aqui e ali e tentado lançar como YA com aviso de gatilhos, mas sei que isso não seria tão real em relação à Alex.
Acho que já falaram sobre os gatilhos em todas as resenhas, mas faço questão de mencionar também: tem descrições (na grande maioria bem curta, de uma frase só) de uma espécie de cirurgia e de estupros (um é de uma garota de 12 anos, mas, para mim, foi o que mais fez sentido e tirá-lo seria forçar o universo da história a ser mais benevolente do que a realidade. Os outros são só menções por cima), dependência de drogas, overdose e consumo forçado de dejetos humanos. Tem mais coisa, como violência e assassinato, mas acho estranho colocar esse tipo de gatilho quando não é algo evitado em livros. Outra coisa que eu acho importante dizer: não tem cobras no livro. A cobra da capa é uma metáfora somente. Passei o livro inteiro sofrendo, esperando esse momento, pois tenho pavor de cobras, mas nunca veio.
Avisar sobre os gatilhos é extremamente importante, mas depois de ler tantas e tantas resenhas que focavam só nisso, eu acabei sem saber direito sobre o que era o livro. Achei que ia ser só violência atrás de violência gratuita. Não é. Nenhuma violência é gratuita, pelo contrário. Acho que a intenção da autora, além de criar um mundo mágico realista, foi mostrar toda a podridão das sociedades secretas de Yale, feitas na sua maioria de garotos brancos e ricos que têm poder o bastante para se safar de todas as coisas cruéis e perversas que eles fazem para as outras pessoas, os ninguéns. O livro é uma celebração a New Haven e uma crítica bem pesada à elite que vive e controla a cidade.
Alex é uma "ninguém", uma garota latina e drogada que não encaixa com os outros alunos. Ela não tem dinheiro, passou a vida assombrada por fantasmas que só ela via e depois se drogando para fugir desses fantasmas. Nem a mãe dela, que é hippie e se recusa a contar quem foi o pai que a abandonou, acredita que ela pode estar sem usar drogas, quanto mais estudando em Yale de verdade. Mas Alex vai para lá com uma bolsa de estudos e o trabalho de aprender a ser membro da Casa Lethe, que tem a responsabilidade de controlar o limite do poder das outras casas (sociedades), que usam magia para as mais diversas e perversas coisas.
O desenvolvimento da Alex é incrível, admito. A história é narrada em duas linhas temporais, uma delas pelo ponto de vista do Darlington (que eu amo e cujo final me agradou bastante), o outro pelo dela, que é o "presente". Fica bem claro quem está narrando quando, porque até a linguagem dos dois é diferente. Eles foram criados de jeitos diferentes, têm prioridades, sonhos e uma realidade bem distintos. No começo, assim que ela chegou, Alex ainda estava aprendendo como funcionava esse mundo mágico que ela nem sabia que existia. Dá para ver que ela é uma garota que foi assombrada a vida inteira, a ponto de estar sempre disposta a fazer qualquer coisa para sobreviver, e que finalmente está em um lugar onde as pessoas acreditam nela e ainda vêem seu poder como algo bom.
Já nos capítulos do "presente", Alex começou a questionar os limites das casas (ou sociedades secretas), dessas pessoas ricas e influentes que têm mais poder (mágico, principalmente) do que qualquer pessoa deveria ter. Depois de um assassinato de uma garota da cidade (ou seja, não aluna, não importante), ela está convencida de que as casas estão se safando de algo e insiste em usar o pouco que aprendeu com a Casa Lethe e o muito que aprendeu na sua adolescência entre traficantes e um namorado abusivo para buscar justiça pela garota.
Isso tudo que eu falei é só o começo, só o primeiro capítulo basicamente, é o que vem antes da história. Nunca faço questão de escrever sinopses de livros nas minhas resenhas, mas acho que esse estava precisando de uma explicação. Realmente me senti enganada pelas resenhas que li antes.
A coisa que eu mais gostei no livro, de longe, foi a Alex. Ela não é uma pessoa perfeita, tem mais defeitos do que qualidade, seu instinto a fez crescer focando somente em sobreviver, sobreviver a qualquer custo. Se ela estiver viva depois, não importa como, ela venceu. Essa determinação em sobreviver é quem a abastece. Ela sofreu bastante na vida, principalmente por ter tido que se drogar para não ser atormentada por fantasmas e tudo que vem com isso, além de ser sempre taxada como louca, a garota em que ninguém acredita. Ela não pede desculpas por ser quem ela é. Alex é forte e uma sobrevivente, e eu já falei isso mil vezes, mas a define tão bem. Ela é uma pessoa boa, mas nem sempre usa métodos bons para conseguir as coisas que precisa. É tão complexa e interessante, que mal consigo explicar para uma pessoa que já leu o livro, imagina sem dar spoilers!
Os outros personagens são muito bons também. Já falei que o Darlington me conquistou? Dawes também. Estou ainda mais animada para o segundo livro!
Eu tenho críticas para fazer também. Acho que o que aconteceu com Mercy foi importante, nem que fosse só para mostrar o quanto garotos de fraternidades podem ser tóxicos e podres também, mas acho que a personagem depois ficou bem demais. Longe de mim julgar como alguém lida com o que ela lidou, mas acho que a autora poderia ter explorado as consequências um pouco melhor. Minha outra mínima crítica é que o final, emocionante como foi, não foi o momento mais emocionante do livro. Mas isso nem é um problema, realmente.
Sim, o livro é um pouco parado, principalmente no começo, mas eu li sorrindo, não porque algo nele era engraçado, mas porque estava gostando tanto! Amei o jeito que a autora misturou as sociedades secretas reais de Yale com essa nova ordem e os tipos de magia. Foi brilhante! Muita coisa aqui é brilhante, e eu espero que ela também escreva outras séries nesse mesmo universo, porque estou muito apaixonada por ele! É tão rico e real e tem tanto potencial a ser explorado! Além do próximo livro dessa série, quero uma nova pelo ponto de vista de alguém que entrou para uma das sociedades. É um universo bom demais para se resumir a dois livros só!
Eu vi algumas pessoas dizendo que este livro é misógino, então acho importante deixar clara uma coisa: um livro que aponta como mundo é misógino, como mata mulheres e as descarta como se não fossem nada não é um livro misógino. Existe uma grande diferença entre apontar uma coisa e tratar essa coisa como algo válido e aceitável. A autora raramente fala em palavras que o jeito que as garotas estão sendo tratadas é ruim, mas fica claro desde o começo, desde o jeito que a Alex reage a isso até como ela luta para fazer isso mudar. Não confunda críticas à misoginia com misoginia, pelo amor de deus.
Não posso simplesmente falar que eu recomendo o livro. Ele é excelente, mais complexos do que a grande maioria dos livros que eu leio e entrou para os meus favoritos antes de eu terminar. Mas não é um livro para todo mundo. Eu não sou fácil de impressionar, amo personagens que não são completamente bons ou perfeitos, que têm atitudes duvidosas, que têm lados obscuros a serem explorados e não tenho medo ou gatilho com violência assim, literária. Se você é como eu, super recomendo o livro! Se você se incomoda com os gatilhos, fica a seu critério. Eles são uma parte bem pequena da história, mas você se conhece melhor do que ninguém e é a única pessoa que pode tomar essa decisão.