Blog MVL - Nina 18/03/2011
Minha Vida por um Livro | minhavidaporumlivro.blogspot.com
Resisti a todo o lixo psicológico e às fantasias de Wolfgang Priklopil e não me permiti ser dominada. Agora eu estava do lado de fora,e era isso que as pessoas queriam ver: Uma pessoa enfraquecida,que nunca se recuperaria e sempre dependeria da ajuda dos outros.Mas,no momento em que me recusei a carregar a marca de Caim pelo resto da vida,o humor mudou.(p.222)
Ele era um homem comum, fechado e até tímido, parecia ter grande afeição pela mãe e era provavelmente um vizinho que não causava problemas. Ninguém poderia imaginar que nos confins da casa de muro alto e farpado, havia uma menininha muito corajosa lutando contra a tortura física e psicológica.
Natascha Kampusch tinha apenas dez anos quando foi seqüestrada enquanto fazia o trajeto de casa para a Escola. Seu algoz, Wolfgang Priklopil, um homem de trinta e cinco anos, conseguiu mantê-la em cativeiro por 3.096 Dias.
A autobiografia escrita por Natascha é dolorosamente explícita, como se ela pudesse olhar para tudo que sofreu com os olhos de um observador.
Há alguns anos atrás,quando a história veio à tona,o mundo conheceu a fabula inacreditável de uma jovem mulher que passara parte da infância e toda a adolescência sobre a cruel vigilância de um seqüestrador. Eu tinha dezesseis anos na época e me lembro de sentir os meus olhos úmidos ao ver a moçinha magra e frágil que não tivera a mesma sorte que eu. Por mais empática que eu fosse eu jamais poderia entender como eu era privilegiada por poder ir a Escola todos os dias, conversar com meus amigos, flertar com garotos, me sociabilizar com o mundo circundante. Natascha não teve a mesma sorte, ela foi destituída de tudo que lhe era familiar, do seu futuro e de sua personalidade, porque para ela não havia escolha e sua rotina era lidar com um homem que dominava o seu universo, sua vida e sua alma.
Frequentemente me pego sendo extremamente crítica com livros de auto-ajuda. Afinal, o que essas pessoas querem? Ensinar-me a viver a minha própria vida? Se eu começar a agir como os livros aconselham vou perder minha individualidade. Estes são meus argumentos para evitar livros do gênero e é por isso que fico fascinada pelas biografias (autobiografias), são histórias de pessoas que passaram por esse mundo, viveram e respiraram exatamente como eu. Em uma biografia há sempre o que se aprender, não é um manual de como viver e sim uma história de vida pura, com erros e acertos reais. Em 3.096 Dias o leitor é levado à vida de Natascha Kampusch, uma menina comum, com extrema baixa auto-estima, ela poderia formar o perfil perfeito de uma depressiva suicida, mesmo aos dez anos Natascha possuía conflitos internos suficientes para pensar em suicídio. E então o leitor e expectador se pergunta: Como poderia essa mesma menina sobreviver a inúmeras violências físicas,humilhações de todo tipo e a eliminação de sua individualidade?
É então que entra a maior lição que Natascha Kampusch nos ensina ao narrar sua própria história, a de que todo ser humano possui dentro de si o instinto de sobrevivência. Em sua vida antes do seqüestro ela não possuía muita credibilidade, mas depois de ser enclausurada Natasha descobriu que sua sobrevivência dependia dela mesma, cada passo, cada frase, tudo o que fizesse e agüentasse era apenas a preparação para o dia em que ela se libertaria.
A narrativa é um pouco cansativa no início, eu não conseguia entender porque ela citava tantos por menores, como o cheiro das coisas, ou a paisagem, logo eu viria a compreender que todos estes detalhes a alimentaram de imagens e recordações nos longos anos que permaneceu afastada do mundo real.
A forma como Natascha expõe sua opinião sobre a síndrome de Estocolmo é digna de ser analisada por especialistas da psiquiatria. A verdade é que é difícil para as pessoas aceitarem que um ser humano possa ter algum tipo de relacionamento com alguém que o humilha e agride constantemente, entretanto nos esquecemos da influencia que as pessoas têm sobre as outras. O fato de Natascha ter construído um tipo de relacionamento com seu sequestrador não me surpreende, nem repugna, porque sei e ela também sabe que sua sobrevivência estava ligada intimamente a como ela se portava com ele. De certa forma, Natascha aprendeu a conviver com a dor e a manipulá-lo quando preciso, e a isto se deve este livro. Se ela tivesse sido mais sensível e menos racional, ela ainda estaria presa ou morta, e em conseqüência jamais dividira sua história com o mundo.
Eu indicaria o livro para adolescentes e adultos que estejam preparados para realmente conhecer a vida de Natascha. Como foi seu início de infância e o que se tornou depois de oito anos vivendo em um cubículo, sem a menor privacidade, sofrendo violentas agressões físicas, morais e pequenos abusos sexuais dos quais ela prefere não falar em sua autobiografia.
Não encaro Natascha Kampusch como uma vítima, ela o foi no passado, hoje ela é uma mulher como muitas outras que também sofreram violência, tentando resgatar sua vida e sua individualidade. Senti pena da menina de dez anos que perdeu seu futuro saudável, mas não o sinto pela mulher adulta, apenas a admiro e respeito pelo exemplo de força humana que ela é.
3.096 Dias é o relato de uma menina que conheceu de perto o inferno, mas não só escapou como ainda manteve sua sanidade mental. Provavelmente ela ainda carrega as cicatrizes na alma e no corpo, mas depois de ler o livro, estou segura de que se existe alguém preparada para viver neste mundo é Natascha Kampusch.
5 Livrinhos!
Marina Moura
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