Cristina Henriques 22/01/2016“Um conhecido filósofo inclui os gritos na categoria do silêncio. Gritos, arquejos, imprecações, formam uma ‘substância silenciosa’.”
“Quando se repõe de seu transe, afasta-se lentamente. Houve duas metamorfoses: seu vestido branco agora é vermelho e onde houve uma moça há um cadáver.”
“Resumo: o castelo medieval; a sala de torturas; as ternas moças; as velhas e horrendas criadas; a bela alucinada rindo desde seu maldito êxtase provocado pelo sofrimento alheio.”
“Mas quem é a Morte? E a Dama que assola e cresta como e onde quer. Sim, e além disso é uma definição possível da condessa Báthory. Nunca ninguém não quis de tal modo envelhecer, isto é: morrer. Por isso, talvez, representasse e encarnasse a Morte. Porque, como a Morte vai morrer?”
“Uma cor invariável rege o melancólico: seu interior é um espaço cor de luto; nada acontece ali, ninguém entra. É um palco sem cenários, onde o eu inerte é assistido pelo eu que sofre por essa inércia. Este gostaria de libertar o prisioneiro, mas qualquer tentativa fracassa (...)
Mas existem remédios fugidios: os prazeres sexuais, por exemplo, por um breve tempo podem apagar a silenciosa galeria de ecos e de espelhos que é a alma melancólica. E mais ainda: até podem iluminar esse recinto enlutado e transformá-lo em uma espécie de caixinha de música com figuras de vivas e alegres cores que dançam e cantam deliciosamente. Depois, quando a corda acabar, será preciso retornar à imobilidade e ao silêncio.
A caixinha de música não é um meio de comparação gratuito. Acredito que a melancolia é, em suma, um problema musical: uma dissonância, um ritmo transtornado. (...)
Mas por um instante – seja por uma música selvagem, ou alguma droga, ou o ato sexual em sua máxima violência –, o ritmo lentíssimo do melancólico não só chega a se conciliar com o do mundo externo, como o ultrapassa com uma desmesura indizivelmente feliz; e o eu vibra animado por energias delirantes.”
“A condessa, sem negar as acusações de Thurzo, declarou que tudo aquilo era seu direito de mulher nobre e de alta estirpe. Ao que o palaciano respondeu: …eu te condeno a prisão perpétua dentro de teu castelo.”
“Ela não sentiu medo, nunca tremeu. Então, nenhuma compaixão nem emoção nem admiração por ela. Só perplexidade no excesso do horror, uma fascinação por um vestido branco que se torna vermelho, pela ideia de um absoluto dilaceramento, pela evocação de um silêncio constelado de gritos onde tudo é a imagem de uma beleza inaceitável.
Como Sade em seus escritos, como Gilles de Rais em seus crimes, a condessa Báthory alcançou, para além de todo o limite, o último fundo da depravação. Ela é mais uma prova de que a liberdade absoluta da criatura humana é horrível.”
“Mas, tal como a sombra, a fantasia revela-se soberana, mais cedo ou mais tarde.”