O Evangelho segundo Jesus Cristo

O Evangelho segundo Jesus Cristo José Saramago




Resenhas - O Evangelho Segundo Jesus Cristo


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Neilson.Medeiros 26/12/2022

Terceira leitura que faço de Saramago. Complicado ter de eleger sempre a mais recente como a melhor. De tantas coisas maravilhosas no texto de Saramago, posso destacar a narrativa sempre muito bem trançada, apresentada sem nós e pontas soltas, e ele, o narrador. Essa voz sem corpo e nome nos conduz sempre com seus comentários ácidos e bem humorados. As críticas, o modo de filosofar, as viagens no tempo para futuro e passado, colocando-o, inclusive, acima do Deus personagem. Aqui vamos encontrar um Jesus demasiado humano, uma Maria de Magdala decidida e um Diabo meio estoico, todos eles misturam-se a cenas que são montadas de uma forma bastante fluida, muitas vezes rompendo com a expectativa criada pelo conhecimento prévio das histórias da Bíblia. A cena do primeiro encontro entre Jesus e Deus me rendeu muitas risadas, enquanto o segundo momento, com participação do Diabo, nos dá um tapa com fatos históricos e pontos de vista de deixar qualquer um arrepiado.
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Fabiana 25/12/2022

Cegos que veem
O livro da minha vida!
Que me fez ser cristã de verdade....mais humana...e deixar de ser católica.
Não sei se é o melhor livro de Saramago, mas é o meu melhor livro lido dele.
Necessário num mundo cheio de "Cegos que veem. Cegos que, vendo, não vêem."
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Thalyta Vidal 25/12/2022

O evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago.
A obra O evangelho segundo Jesus Cristo, do português Nobel da literatura José Saramago, foi publicado pela primeira vez em 1991. Contendo 374 páginas na edição brasileira lançada pela editora Companhia das Letras em 2005, constata-se, nesses escritos, a trajetória de Cristo desde os momentos que antecedem o seu nascimento até a sua morte.
Despido dos ideais que regem o cristianismo, Saramago aponta um olhar crítico e cortante para a narrativa do principal personagem dos textos bíblicos por meio do qual evidencia questões que vão de encontro ao próprio caráter moralizante dessas escrituras. Diferentemente do texto sagrado, que pouco remete à infância de Jesus, o autor irá oscilar entre duas linhas narrativas ? cronológica e psicológica. A primeira, é iniciada com a revelação sobre a gravidez de Maria que é procedida pelo olhar atento e detalhado de vivências do seu filho, desde o seu nascimento, passando por sua infância junto aos irmãos, sua juventude aventureira permeada pela descoberta de sua sexualidade, até a retratação do Jesus adulto, um andante que realiza milagres. Já a segunda, aponta para os pesadelos que atordoam o protagonista, bem como as dubiedades que circundam seus pensamentos em diferentes instantes de seu percurso na Terra.
Nesse sentido, destoando de uma mera construção narrativa embasada num caráter mítico, o romancista concebe uma perspectiva humanizada do mito cristão por meio de um realismo crítico sobretudo no que concerne aos personagens que são subalternizados na contemporaneidade e encontram justificativa para tal marginalização no pensamento que se origina da grande religião ocidental: o cristianismo. Logo, convém ressaltar que a leitura de O evangelho segundo Jesus Cristo retira o leitor do lugar comum, levando-o a refletir sobre como as práticas sociais de diferentes sociedades estão ancoradas na presença da religião como norteadora.
Saramago estabelece uma relação dialógica ? usando aqui o termo baktiniano ? com a Bíblia, contudo, recupera o texto original para conduzir o leitor por um percurso não anteriormente construído que se revela, principalmente, na construção de um Jesus humano que, assim como qualquer outro, nascerá da relação sexual entre homem e mulher, José e Maria, bem como aquele que, ao despertar da puberdade, é iniciado sexualmente por uma mulher que tem do sexo o seu sustento, Maria Madalena. Diante disso, constata-se como pulsante na obra o caráter misógino e a crueldade do divino.
Ademais, o romancista - ao se debruçar sobre o universo onírico muito comumente retratado pelo cristianismo como revelador do futuro próximo ? o apresenta como castigo divino. Talvez seja essa a narrativa psicológica que primeiro conduz o espectador à criticidade, visto que José, ao saber que todas as crianças da região serão mortas, opta por manter silêncio e salvar apenas a Jesus, seu filho. O privilégio de um entre muitos é apresentado por meio de uma abordagem trágica, pois, para que fosse salvo, muitas crianças precisaram morrer. Diante disso, tal fato perseguirá José durante suas noites em toda a vida por meio de pesadelos que o impedem de viver em paz. Evidencia-se, portanto, o início da tragicidade que se apresenta conforme o próprio ensinamento bíblico que se constrói a partir da ideia da semeadura, a ironia saramaguiana revisita o texto canônico lhe atribuindo uma nova passagem que facilmente poderia o compor para despertar a reflexão sobre o individualismo cristão que se apresenta sempre como coletivo.
Jesus é, assim, a representação de todos os pecados numa inversão que o leva, mesmo após realização de milagres, à crucificação, ressaltando, dessa forma, um pai divino imparcial, cuja justiça se faz na morte e na condenação. Logo, o mito maior do cristianismo é também a representação daquilo que condena, a vaidade, no romance português. O olhar construído, portanto, apresenta em Jesus um herói que se aproxima, por exemplo, dos mitos gregos, visto que os deuses, dessa mitologia, representavam virtudes e defeitos do homem, estavam, ao mesmo tempo, no plano divino e no terrestre.
Observa-se, ainda, a ironia no que se refere à forma como o feminino é evidenciado. Maria - aquela que carregou em seu ventre o responsável pela salvação do homem na Terra ? é, constantemente, diminuída por ser mulher. São constantes as passagens em que ela é silenciada e menosprezada numa composição realista quando há agradecimentos a Deus por não fazer parte desse grupo: Louvado sejas tu, Senhor, nosso Deus, rei do universo, por não me teres feito mulher (SARAMAGO, 2005, p.19). A misoginia é constante nas falas dos personagens masculinos que, constantemente, a ressaltam como sexo frágil, embora evidenciem o trabalho exacerbado que realizam: não fez sequer dezesseis anos e, embora mulher casada, não passa duma rapariguinha frágil, por assim dizer dez-réis de gente, que também naquele tempo, sendo outros os dinheiros, não faltavam destas moedas. Apesar de fraca figura, Maria trabalha como as mais mulheres, carando, fiando e tecendo as roupas da casa, cozendo todos os santos dias o pão da família no forno doméstico, descendo à fonte para acarretar a água... (SARAMAGO, 2005, p.21).
Ao percorremos todo o enredo, passagens como as supramencionadas são sucessivas e pertencentes a diálogos que naturalizam o olhar misógino que reforça o patriarcalismo. Nesse sentido, ao duplicar esse estereótipo, Saramago pondera e traz para o seu romance a interligação entre as religiões e as práticas sociais que se reverberam em diferentes períodos históricos.
Convém, então, ressaltar que a leitura de O evangelho segundo Jesus Cristo nos leva a refletir que, apesar do Iluminismo ter promovido o olhar antropocêntrico da sociedade, embora a pesquisa científica contribua para um olhar positivista do homem, o forte e influente poder do cristianismo contribui e continuará a reverberar, mesmo no século XXI, práticas de subalternização que se ancoram em um discurso que difere das práticas, conforme constantemente encontramos no Antigo Testamento. Nesse sentido, a humanização da divindade cristã realizada no romance em questão é capaz de levar o leitor a refletir sobre Deus não como exemplo de bondade e compaixão, mas também como propulsor de uma religião que o proclama por meio de condutas que divergem das bonanças que estão em seu discurso.
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Sel 18/12/2022

Saramago
Um Cristo mais próximo do ser humano, que deixa claro o valor da ética, sem a necessidade de santidade.
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Henggo 13/12/2022

Ousado, provocativo, inspirador
Não, não foi uma leitura agradável. Não pelo conteúdo, pois, como não sou cristão, não houve abalos nesse sentido. Mas sim pelo rebuscamento que Saramago usa como se este "Evangelho segundo Jesus Cristo" só pudesse ser lido perante um esforço digno de grandes milagres. De fato, ler este livro pressupõe sacrifício, entrega, ferir-se a alma, olhos, mente, para mergulhar em texto de tamanho espinhamento. O modo como a história se molda em humanidade é apaixonante. Esse Jesus falível de carne e osso, com um nada de sacralidade, parece (ao meu ver) muito mais condizente com a nossa sociedade que brada palavras sagradas, mas age com base nos atos mais mundanos. "O Evangelho segundo Jesus Cristo" é um tapa na cara instigante, provocativo, ousado e inspirador que desafia o senso comum e nos coloca em outro patamar de leitura, reflexão e absorção de técnicas de escrita. Difícil e maravilhoso.
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Alice 10/12/2022

Saramago nunca decepciona.
Mais uma obra maravilhosa de Saramago, onde nos é apresentada uma nova versão da vida de Jesus Cristo, onde ocorre uma maior humanização do mesmo. Uma obra bastante polêmica mas também necessária. É possível perceber o quanto Saramago se aprofundou nos estudos bíblicos para escreve-la. Uma leitura que vale muito a pena, e que deveria ser lida por todos.
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Ray 04/12/2022

Ácido, mas gostoso demais
Um livro tão ácido que é capaz de dar azia em quem não tá acostumado com certos questionamentos, que fez até uma galera se sentir no direito de proibir e demonizar esse llivro, apenas pela falta de coragem de ter que lidar com ele. Se você não é uma dessas pessoas que se incomoda com tão pouco, indepedentemente da sua fé, esse livro é pra você! Só existe uma ressalva: se você for pobre como eu, e não tiver dinheiro pra comprar e ler todos os livros do Saramago de vez, recomendo nem experimentar, é igual sushi, estranho no ínicio mas depois vicia!!!
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Davils 28/11/2022

grandão sem medo
Obviamente subversiva, essa obra consegue apresentar uma perspectiva muito mais real e até mesmo verossímil do que pode ter sido a vida de Jesus Cristo.
Contar uma história que todo mundo conhece, de maneira que seja impossível prever como a narrativa vai se desenrolar... Saramago fez isso.
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Pretti 27/11/2022

Sempre excelente
Não diferente de outros livros do Saramago, O Evangelho segundo Jesus Cristo é um livro de excelência. Saramago é o ateu mais cristão que existe, e explora neste livro a humanização de J.C., além de questionar conceitos clássicos de bem e mal. Recomendadíssimo.
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Euller 19/11/2022

Vale a pena e deve ser lido por TODOS
Li sabendo que seria bom pois é impossível se dessepcionar com Saramago, mas novamente estou surpreso com o quão bom são os seus livros, os enredos que ele constrói, eu amei esse livro.

"o Senhor deu-nos pernas para que andássemos e nós andamos, que eu saiba nunca homem algum esperou que o Senhor lhe ordenasse Caminha, com o entendimento é o mesmo, se o Senhor no-lo deu foi para que o usássemos segundo o nosso desejo e a nossa vontade"
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Ana Paula 16/10/2022

"Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez."

A Bíblia é repleta de pontas soltas que são um convite a ficção. Saramago desconstrói e desmistifica a narrativa bíblica, humanizando os personagens e preenchendo o vazio sobre a infância e adolescência do personagem Jesus, retratado aqui como um homem comum.

Também questiona o comportamento cruel, sanguinário e político de Deus, dono de um ego infinito, que faz uma coligação com o Diabo para expandir seus domínios. O Diabo que só foi expulso do céu por se rebelar contra a tirania de Deus, com quem ainda tenta se reconciliar para que a humanidade fosse poupada.

Mais uma obra-prima, mais um favorito.
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Rafael 14/10/2022

Talvez herético, provavelmente subversivo, certamente grandioso.

Esse é a quarta obra do escritor José Saramago que leio. O que me marcou nessas experiências prévias foi a originalidade dos textos e a facilidade do autor em buscar temas inusitados e desenvolvê-los com bastante criatividade. Apesar das dificuldades no fluxo de leitura, que o estilo de pontuação caraterístico de suas obras impõe, é indiscutível que essas histórias tenham o poder de prender a atenção do leitor, que constantemente fica na expectativa do que se sucederá nas próximas páginas.

O livro em questão, em especial, é marcado para além das circunstâncias do roteiro, ou do acontecimento de algo inusitado, como uma cegueira branca que se alastra rapidamente ou as férias que a morte decide tirar em um país desconhecido. Parece ter como objetivo levar o leitor a pensar sobre as contradições e ciladas da religiosidade e, dessa forma, reconstrói a história da vida de Jesus, desde o seu nascimento até sua morte, sob uma perspectiva mais próxima da realidade que conhecemos (e mais humana). Essa humanidade atribuída a Jesus, faz com que o mesmo sofra com as dúvidas, angústias, inseguranças, fraquezas e vulnerabilidades carnais características do ser humano. Considera-se ainda que toda a história foi escrita por um ateu, que imagino eu, tenha se dedicado intensamente a leitura e interpretação do texto sagrado, visto a facilidade com que constrói os personagens, o conhecimento dos evangelhos e os detalhes dos locais por onde J. C. passou.

Sem dúvidas é uma obra polêmica, mas que consegue prender a atenção do leitor e o conduz a repensar alguns conceitos filosóficos da fé. Pode ser incomodo para pessoas cristãs (senti) e acredito que esse tenha sido o objetivo de Saramago, explorar as contradições, as controvérsias e enfrentar as questões não respondidas no texto bíblico, além trazer à tona todas os conflitos religiosos que culminaram em tortura, perseguições e morte. Enfim, o livro busca completar as lacunas deixadas pela tão conhecida história de J. C. e com a originalidade do escritor português aprofundar-se nos detalhes dessa história. Continuo afirmando que ler José Saramago sempre é uma ótima experiência.
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Fernanda.Despirto 09/10/2022

Saramago nunca decepciona.
Livro fantástico, principalmente do meio para o final.
Não tem como não se apaixonar e se identificar com os personagens.
Vale super a leitura ?
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Selma 17/08/2022

Gostei da experiência
Não sou muito fã de Saramago, mas estava bem curiosa para ler este livro dele. Li e gostei da maneira que o autor utilizou pra contar a história de Jesus, mesmo achando estranho ela não ser contada em primeira pessoa, sendo o esperado se tratando de um evangelho "segundo" Jesus Cristo, então ter um narrador onisciente foi uma grande surpresa pra mim.
O que mais chamou minha atenção, fazendo com que lesse a história toda, foi o primeiro capítulo, com descrições bem detalhadas da cena do Calvário, nos dando a impressão que a história estava saindo de dentro de um quadro.
Queria muito saber onde tudo isto ia dar e gostei muito do resultado, mesmo com as estranhezas causadas pela falta de marcação dos diálogos e outras pontuações.
Com certeza Saramago não é um livro pra qualquer um ler, pois exige um leitor experiente, principalmente pela falta das pontuações que dificultam o entendimento, fazendo com que um leitor iniciante desista logo nas primeiras páginas.
cpreviatti 17/08/2022minha estante
Uiaaaaa 4 estrelas!!!!!!




Procyon 16/08/2022

O Evangelho Segundo Jesus Cristo ? Resenha
?O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo de sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.?

Na literatura, a imitação, a contradição e a ironia dos textos pós-modernos muitas vezes transformam-se na paródia. Esse movimento, o pós-modernismo, posta-se quase sempre em direção a um passado, de forma alguma numa perspectiva nostálgica, mas sim crítica e contestadora. A ironia, então, passa ser um elemento retórico fundamental na medida em que, incorporado à paródia, instiga o leitor a questionar os pressupostos discursivos daquele passado. O escritor português José Saramago projetou em seus romances essa dimensão irônica sem tornar a narrativa ? ainda que escrachada ? uma causa de riso ridicularizador por parte do leitor.

De família humilde, José de Sousa Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922 em Azinhaga, uma aldeia do Ribatejo, em Portugal. Tornara-se um escritor prolífico, sendo, portanto, autor de romances, contos, peças, crônicas e poemas. Referência na narrativa portuguesa contemporânea, Saramago carrega, em suas obras, críticas a diversos temas, como a religião cristã, o abuso de poder, a misoginia, e afins.

Dado o contexto no qual o declínio do prestígio à religião se manifesta nas criações artísticas e literárias, Saramago elabora sua crítica à religião cristã e à figura de Deus fazendo uso da ironia, escrevendo ?O Evangelho Segundo Jesus Cristo? (1991), paródia da Bíblia Sagrada que, configurada como romances de formação, recria o imaginário judaico-cristão com o intuito de ressignificá-lo, recontando, com uma visão moderna, a história dos textos sacros de maneira irônica e humanizada, o que resulta numa dessacralização das personagens do texto canônico. Tal dessacralização possui uma verve crítico-irônica como o elemento fundamental da paródia.

Talvez como uma maneira de afrontar o catolicismo arraigado na identidade lusitana ao longo de sua história, Saramago busca realizar uma análise semiológica dos ícones religiosos. Sustentando uma trama repleta de intensos debates retóricos, o autor, livre de dogmas, examina os fundamentos do cristianismo com uma desenvoltura e humor que soariam desrespeitosos não estivesse ele fascinado com a trajetória humana de Cristo.

Saramago reconstrói a vida de Cristo expondo a fragilidade do ser humano. Autor de múltiplos gêneros, o português parece preserva um historicismo fantástico, algo que se pode traduzir como uma narrativa de argumento/premissa fantástica, mas como um estilo que preserva seu realismo ? de praxe do modernismo.

?Não existe pontuação quando se fala. Falamos em um fluxo modulado por nossos pensamentos e emoções.?

Seu estilo oral parece captar uma certa coloquialidade, na medida em que remete ao ritmo da língua falada e preserva uma vivacidade da comunicação em cima da correção ortográfica da linguagem escrita. Todas os aspectos de uma linguagem oral predominantemente usada na oratória, na dialéctica, na retórica e que servem sobremaneira o seu estilo interventivo e persuasivo estão presentes no livro. Para tanto, também abole o uso tradicional da pontuação, de modo que os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros. Isso propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, a ponto do leitor chegar a confundir-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento do narrador onisciente e satírico.

O texto enfatiza a valorização da humanidade em detrimento do divino, contestando o discurso religioso e rebaixando a figura do deus hebraico a um nível dessacralizado, a fim de que acusá-lo dos males do mundo, expondo todos os seus feitos contidos nas Escrituras e provocando um pensamento mais racional e crítico ao leitor. Dessa forma, o autor une uma postura política afiada à experimentação formal com o elemento fantástico. Existe uma reflexão maior da condição humana, captando personagens diante de situações de crise existencial, indivíduos em constante autorreflexão e embates socioculturais com o estado de coisas.

Na narrativa, Saramago desenvolve as características de suas personagens, salientando aquilo que tais possuem de realmente humano ou, em determinados momentos, apontando aspectos negativos no que seria sagrado e, logo, ?perfeito?. A história tem como enfoque principal as personagens do carpinteiro José e de Jesus, trilhando um caminho de humanidade, no qual são realçados seus defeitos que os tornam verdadeiramente comuns e mortais. Assim, a ateísta narrativa saramaguiana adquire seu caráter transgressor na porque coloca o nazareno como fruto de um ato sexual praticado por José e Maria e o envolverá, na maturidade, com a lasciva prostituta Maria de Magdala.

A narrativa se estende por vinte e cinco capítulos, nos quais se vê a elocução de uma voz em terceira pessoa, que não se restringe a contar os episódios e que constantemente lança juízos sobre os fatos, as personagens, a religião e a própria enunciação narrados. Seguindo um prólogo no qual o narrador descreve a crucificação de Cristo de acordo com uma gravura de Albrecht Düher, a trama trata em ordem linear da vida do seu protagonista.

Além de questionar a imagem do deus dos hebreus, Saramago ainda subverte a figura de Cristo bem como seus signatários. O Messias é descrito como um homem de carne e osso, que sente medo e remorso, e ainda se entrega aos prazeres da carne ? isto é, profundamente humano. O autor também estabelece uma equiparação entre Deus e o Diabo, o que acaba rebaixando um e engrandecendo outro. O texto confere uma feição profanadora no tocante a representação de Deus como um soberano autoritário e interesseiro.

Um dos elementos do estilo saramaguiana é o erotismo, que se insere na mitologia religiosa e que causa implicações estéticas e ideológicas que conferem um aspecto ainda mais acentuado de profanação. Personagens como a lasciva prostituta Maria de Magdala secularizam os ícones e os pressupostos, pondo-os no bojo na carnalidade humana. Nesse sentido, em meio à sofrida paixão de Cristo, cria-se um espaço para a sensualidade de Maria ? em passagens que carregam certa lubricidade ao expor um decote ousado, dada a época histórica recriada, com o qual valoriza a anatomia dos seios, que atrai a danação dos homens. A voluptuosidade corriqueira na narrativa busca quebrar o pressuposto ideal ascético de imaculabilidade da concepção bíblica.

Maria de Magdala parece incorporar um instrumento de resistência de um Salvador casto. É por intermédio de uma sexualidade florente que o protagonista deixa fluir suas pulsões reprimidas, entregando-se aos braços libertinos da meretriz. Curiosamente, é no episódio de primeiro encontro entre os dois que Jesus, ao ver-se diante da libertina, evoca a moral religiosa, numa tentativa de reprimir suas próprias pulsões ? não outrem, mas ele mesmo ?, citando versículos de Eclesiastes, que tratam especificamente da devassidão encarnada na figura da mulher. Assim, Saramago, restituindo seu caráter profano e contestador, metaforiza através da voz onisciente as manifestações físicas do nazareno de maneira quase escatológica. Sobrepõe-se, então, a carnalidade humana erotizada aos referendos moralistas da espiritualidade judaico-cristã.

Em última instância, Evangelho segundo Jesus Cristo excepcional no qual o romancista usa de ferramentas retóricas para ressignificar o mito, bem como quebrar pressupostos. Com a publicação deste livro, o autor rompe com o governo português, após vetos de censura. Como resultado da manobra política, Saramago e a mulher transferiram a residência para o arquipélago de Canárias, permanecendo na ilha de Lanzarote. A partir de seu ?Ensaio Sobre a Cegueira? (1995), Saramago apresentaria uma narrativa cada vez mais contemporânea, todavia mantendo a crítica aos costumes, ao capitalismo e à religião.

Se Fernando Pessoa criara persona que produziam independentemente, Saramago cria um narrador ciente de desse passado religioso, por meio do qual entretém o leitor ao opor personagens entre si, santificando os renegados e diminuindo os santificados. O narrador saramaguiano põe em xeque dilemas insolúveis na tradição judaico-cristã, e, ao mesmo tempo em que tenta questionar a figura divina, restitui-a em si próprio na medida em que manipula a história com um rigor onisciente.
Andre.Trovello 28/09/2022minha estante
Adorei a resenha!
Ansioso pra ler esse livro


Procyon 28/09/2022minha estante
Obrigado, boa leitura.




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