Thaianne 18/11/2020Elegante e afiado como o ouriço"A elegância do Ouriço" é um livro único. Trata-se de um romance filosófico, e, nesse sentido, se você gosta de títulos eletrizantes, tenha paciência e não espere grandes acontecimentos até 2/3 da narrativa (ou, na pior das hipóteses, procure outro título kk). Até aí, acompanhamos sobretudo os pensamentos e reflexões de duas personagens - Paloma, adolescente de 12 anos de alta classe que tomou a radical decisão de tirar a própria vida em seu próximo aniversário caso não encontre um sentido para a existência, e Renée, autodidata, filósofa e zeladora do prédio (onde vive Paloma) que, a despeito de toda sua inteligência, faz o possível para passar despercebida e se esconder em seu papel social. Na voz de Renée, encontramos certa calmaria nas tardes de chá com a amiga portuguesa, a faxineira Manuela, digressões filosóficas (nem sempre por mim entendidas kk, boiei na fenomenologia kk), um temor não desprezível de ser descoberta fora dos padrões de sociedade que a ela se referem e reflexões sobre o que é a Arte, e os impactos que ela traz para a vida humana (reflexões que muito me tocaram, porque condizentes com meus sentimentos em relação sobretudo à literatura). Na voz de Paloma, encontramos a angústia de uma vida que pede por afetos reais, e o desespero de não ser verdadeiramente enxergada pelos outros.
Os caminhos destas mulheres se cruzam, principalmente em razão de um personagem que perturba a ordem até então existente no prédio em que habitam: o japonês Kakuro Ozu. E então fica difícil largar o livro. Não que ele não tenha defeitos, do ponto de vista narrativo (achei que a autora poderia apresentar mais cenas, por exemplo, de Paloma e Renée juntas, a fim de aprofundar esta relação mais gradualmente ou trabalhar também com mais parcimônia as razões de Renée para querer se fechar em seu papel), mas ele encontrou o caminho do meu coração e os méritos excederam em muito as falhas. O final, para mim, foi surpreendente e emocionante. A escrita de Barbery é do tipo que costumo apreciar: elegante e afiada, como o ouriço de seu título. Ri, chorei, refleti, fiz muitas marcações, e guardarei várias passagens no coração. Um livro marcante, que faz jus à fama de clássico moderno.