Marco.A.Antunes 01/11/2023
Dois Irmãos
Peguei esse livro para ler por causa da Fuvest 2024, o que geralmente não me impede de aproveitar a leitura das obras, ainda que parta de uma obrigação e não de um desejo espontâneo. Mesmo assim, a sensação que ficou ao final foi de uma leitura um tanto morna, cujos pontos altos estão mais próximos do entretenimento do que da satisfação estética, e cujos pontos baixos passam por uma profunda decepção em relação ao senso crítico do autor.
A história se passa em Manaus, na segunda metade do século XX, e gira em torno da vida doméstica de uma família repleta de problemas e crises psicológicas escondidas sob a superfície que inevitavelmente irrompem de modo explosivo nessas personagens profundamente desequilibradas. Tudo nos é contado pelo ponto de vista de um narrador misterioso, cuja inserção na casa dessa família e cujos laços pessoais com ela vão aos poucos se revelando. O suspense em torno dessas questões acabou sendo desenvolvido de forma mais ou menos preguiçosa, mas nem assim deixando de entreter.
O principal drama do enredo se desenvolve justamente em torno da relação caótica entre os dois irmãos gêmeos da família, Yaqub e Omar, e começa já na infância, quando o pai dos meninos decide enviá-los para combaterem na Segunda Guerra como forma de solucionar uma briga sangrenta que eclodiu entre os dois e que ameaçava separá-los para sempre. De forma inexplicável, contudo, a mãe insiste em manter o irmão mais novo, Omar, ao seu lado, mas permite que o mais velho vá, sozinho, no início da sua pré-adolescência, para o outro lado do Atlântico. Essa atitude imponderável regerá a relação inconciliável dos dois irmãos e se somará ao comportamento manipulador e possessivo da mãe, à imaturidade mimada de Omar e ao rancor acumulado de Yaqub. Todo esse drama é muito bem apresentado no início do livro, de modo muito envolvente, e é bem sustentado ao longo do restante da narrativa, embora não se possa dizer que se aprofunda como se esperaria com todo o espaço que recebe.
A maior falha da obra, todavia, na minha opinião, está no tratamento de questões adjacentes ao conflito principal, que abarcam muitas outras personagens e trazem maior enlevo para o desenvolvimento do enredo. O problema é que o autor demonstra notável sensibilidade para não apenas representar, mas também detalhar vividamente inúmeras relações problemáticas da sociedade manauense, e brasileira como um todo, passando pelo abuso sexual, o machismo, a exploração intrafamiliar, abuso psicológico, racismo, a violência do regime ditatorial e muitos outros, quase todas passando como apenas isso: detalhes de cenário. Em nenhum momento o autor demonstra capacidade crítica de expor a seriedade e a violência presentes nesses assuntos e acaba, inevitavelmente, naturalizando-as. O conjunto dessas contradições e superficialidades sustentadas ao longo de toda a narrativa a tornam no mínimo irresponsável discursivamente, e, em uma análise mais afetada, talvez, socialmente infeliz.
De modo geral, reconheço a conquista estética dessa obra como um romance capaz de envolver o leitor com muita facilidade, mas duvido fortemente da sua qualidade como obra em diálogo com a sociedade brasileira. Para as pessoas em geral, não o recomendaria, pois acho que outras obras brasileiras que tratam de assuntos similares têm muito mais sucesso do que esta (como ?O diário da queda?, de Michel Laub). Para os vestibulandos, por outro lado, desejo uma experiência melhor do que a minha com esse livro.