@garotadeleituras 19/12/2017
Pela juba do Leão, que livro bom!
As Crônicas de Nárnia é uma série de sete livros, escrita por C. S. Lewis, publicados entre 1950 e 1956, e desde então, tem se consagrado na literatura fantástica pela originalidade e encanto. Quando comecei minha aventura pelas páginas do senhor Lewis, senti certa resistência em gostar do enredo. Confesso que tenho certa dificuldade em ler fantasia, - minha preferência consiste em leituras mais clássicas e realistas. Entretanto, é necessário ter em mente que “As crônicas de Nárnia” é aquele tipo de livro direcionado para crianças, mas que o torna igualmente bom para o adulto; não faz uso de subterfúgios moralistas, antes encanta pela simplicidade, sem abonar riqueza de detalhes, beleza e claro, as mensagens subliminares com referência no cristianismo, um dos elementos que me conquistou definitivamente e sempre destacados abaixo, ao falar um pouco sobre o enredo de cada crônica. Nárnia, possui seu próprio tempo, haja visto, tratar-se de um universo paralelo ao nosso. Os animais falam, os cavalos voam, e o grande Aslam, símbolo de Jesus, é o rei sobre todos os reis.
A organização do volume único inicia pelo ”O sobrinho do mago”, quando Polly e Digory, vítimas de experiências de seu tio mago, são transportados para um bosque, que serve como anfiteatro para outros mundos; acompanhamos a criação da maravilhosa Nárnia ao som de louvores sob o comando de Aslam e descobrimos como os primeiros humanos chegaram a terra do Leão, a origem do guarda-roupa, portal utilizado nas próximas aventuras. Também acompanhamos a introdução da feiticeira branca, por acidente, pelo filho de Adão e filha de Eva, simbolizando todos os acontecimentos relatados no livro de gênesis.
Na segunda crônica, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, são adicionados quatro novos personagens: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia, irmãos que vão passar uma temporada no campo com o professor Digory Kirke, agora um professor idoso. Certo dia, ao brincar pela casa, Lúcia descobre uma sala onde o único ornamento era um guarda-roupa. Ao esconder-se lá, acaba por chegar em Nárnia, um país frio, repleto de gelo. A garota tornar-se amiga de um fauno falante, o senhor Tumnus, escravizado pela Rainha Branca, e incumbido de levar os "filhos de Adão e Eva", que visitassem Nárnia ao encontro da tirana. Tumnus acaba simpatizando com Lúcia e explica a situação. Ao voltar para o seu mundo, Lúcia tenta compartilhar as novidades com os irmãos que debocham e atribui suas estórias a fantástica capacidade de imaginação. Tempos depois, os irmãos acabam indo à Nárnia, ajudando na libertação do fauno e no resgaste de Edmundo. A temática cristã aqui, aborda o sacrifico de Cristo pela humanidade, assim como a morte de Aslam na mesa de pedra pela vida de Edmundo. Outros eventos relacionados ao cristianismo seria a humilhação enfrentada por Cristo, a tristeza e a solidão, e as cortinas do templo rasgadas após a morte na forma da Mesa de Pedra sendo partida de um lado a outro. As crianças representariam os discípulos de cristo, com Edmundo na figura de Judas Iscariotes (o traidor), e o rei Pedro como o próprio Apóstolo Pedro. As duas meninas, as primeiras a ver Aslam após a ressurreição, figuram as Marias após a ressurreição.
A terceira crônica, o cavalo e seu menino, compreende um período conhecido como a “época de ouro de Nárnia”, durante o reinado de Pedro, Susana, Lúcia e Edmundo. O protagonista, Shasta é um menino que vivia na Calormânia, adotado por um pescador, quando encontrado ainda bebê em um barco. Certo dia um tarcaã aparece e deseja comprar o garoto como escravo. Ao compartilhar suas apreensões com o cavalo do Tarcaã, Shasta descobre que o cavalo (Bri) é falante e oriundo de Nárnia. Ambos decidem fugir para as encantadas terras de Aslam. Durante a fuga, Bri e Shasta encontram a tarcaína Aravis, com uma égua falante chamada Huin, também indo para Nárnia. Durante o trajeto, ambos vão enfrentar desafios e descobrir segredos dos inimigos calormanos, que põe em risco a honra da Rainha Susana. Os garotos acabam sendo instrumentos importantes para frustrar os planos de ataque dos inimigos, além do encontro com Aslam, que revela-se como salvador durante os perigos da jornada. Além das batalhas com os inimigos, Shasta irá descobrir segredos sobre sua descendência e o que o futuro lhe reserva. A terceira crônica é uma referência sutil da história bíblica de Moisés, seja pela adoção ou pelo papel importante de libertador para o seu povo (Israel) e Shasta (Arquelândia). A mensagem evidente deixada por Lewis é que Deus/ Aslam é um companheiro constante durante a caminhada e que existe um propósito para cada acontecimento, sendo bastante evidente quando Aslam aparece para Shasta dizendo que ele o estava acompanhando quando andava na beira do abismo, ou quando ele foi parar na praia da Calormânia quando era ainda bebê.
Publicado em 1951, o príncipe Caspian foi o segundo livro publicado, mas o quarto na ordem de leitura. Os irmãos Pevensie, Susana, Pedro, Edmundo e Lúcia são chamados de volta para a terra encantada. Diferente do nosso mundo, em Nárnia passaram-se mais de 1300 anos e tudo mudou. Dominada pelos telmarinos, Nárnia é liderados pelo tirano rei Miraz, um usurpador que tenta impedir que o príncipe Caspian, herdeiro legítimo, se torne o seu sucessor. Apesar de ser um telmarino, Caspian gosta de Narnia e seus relatos fantásticos da época de ouro dos antigos reis. Ao fugir do tio, que tenta matá-lo, ao nascimento do primogênito, o príncipe acaba encontrando os habitantes da antiga Nárnia escondidos na floresta. Ao se organizarem para a batalha, O príncipe usa a trompa mágica de Susana para invocar a ajuda dos antigos reis e rainhas de Nárnia, assim como o auxilio do próprio Aslam. Aqui também é um momento de despedida, para Suzana e Pedro que não retornarão nas próximas aventuras. Os temas cristãs abordados na narrativa seriam a apostasia na forma dos telmarinos, que tentam eliminar os narnianos originais e seus costumes, além da fé em um Deus que é invisível, exceto quando acreditam que Lúcia o está vendo. A grande lição vem quando se reconhece a necessidade de Aslam para vencer as batalhas.
N’a Viagem do Peregrino da Alvorada, encontramos uma pegada diferente, tipo piratas do caribe. Lúcia e Edmundo vão passar as férias na casa dos tios, contra a vontade, pois Eustáquio, um primo irritante e pragmático, que não os deixa em paz. Certo dia, durante uma discussão no quarto de Lúcia, um quadro retratando um navio em alto mar começa a ganhar vida magicamente e os levando para o ambiente retratado, mas especificamente, dentro do Peregrino da Alvorada, do rei Caspian. A missão do Peregrino é encontrar os sete Lordes perdidos de Telmer. O navio, obviamente, se chama Peregrino da Alvorada. Essa foi uma das minhas crônicas prediletas, seja pelos cenários e acontecimentos, como o Eustáquio na pele de dragão, o corajoso Ripchip, os desafios para recuperar os lordes e a própria conversão de Eustáquio sobre o mundo fantasioso de Nárnia existência de Aslam. Cada porto promete muitas aventuras e revelações que encantam o leitor. A temática cristã não tem correlação direta com fatos bíblicos, mas indiretamente, sobre a transformação do caráter de Eustáquio, que torna-se uma criança melhor. Temos ainda, um típico batismo do menino, quando Aslam pede para que se dispa da pele de dragão e mergulhe no rio, representando uma nova criatura. Outra referência ocorre no final da história, quando Aslam aparece transfigurado como um cordeiro, e revela estar presente também no universo humano, sob outro nome:
“Estou, mas em seu mundo tenho outro nome. Vocês têm que aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei à Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.” (p.514)
Essa crônica, na minha opinião é sensacional, figurando entre as prediletas.
A Cadeira de Prata, sexto livro é protagonizado por Eustáquio e Jill Pole, uma colega de escola. Os dois acabam chegando a Nárnia, 70 anos depois da aventura anterior; o príncipe Caspian é um idoso que procura pelo herdeiro Rilian desaparecido nas terras do norte de Nárnia. Eustáquio, assim que chega na terra de Aslam é soprado para longe da colega. Sozinha, Jill encontra Aslam e recebe instruções para a missão de resgate e tem o dever de compartilhar com Eustáquio e exercitar todos os dias essas informações para não esquecê-las. Se ela e Eustáquio se desviarem das instruções, a missão será um fracasso.
Caspian havia proibido as busca do seu herdeiro, não acreditando no sucesso da missão. As crianças contarão com a ajuda de um paulama, Brejeiro, que na minha opinião foi um dos melhores personagens. Como foi gostoso acompanhar a jornada com suas tiradas pessimistas e não menos engraçadas. Confesso que ri muito durante a jornada pelas terras do norte, quando quase viraram prato especial de gigantes ou ainda quando fizeram peregrinação no submundo. Foi uma das crônicas que li mais rápido; simplesmente não conseguia largar o livro ou tirar o sorriso do rosto. A temática cristã, segundo estudiosos, seria a releitura da parábola do semeador, presente no Novo Testamento da Bíblia. Jill ao encontrar-se com Aslam, recebe ordens que devem ser cumpridas durante sua jornada, porém logo as esquece, com exceção do último, seja porque anseia comida ou um lugar quente para passar a noite. Lewis traça um paralelo com a vida cristão, que devem guardar vários objetivos, mas acabam por relegá-los por problemas cotidianos, esquecendo ou deixando de cumprir vários deles.
"– Provocamos a ira de Aslam – disse ele. – É o que acontece quando não obedecendo aos sinais. Pesa sobre nós uma maldição. O melhor que podemos fazer .era cravar estás facas em nossos corações – se isso nos fosse concedido." (p. 575)
A Última Batalha, ou a última crônica escrita por Lewis narra os últimos dias de Nárnia, quando Tirian era rei em Cair Paravel. Manhoso, um velho macaco astuto, e seu companheiro, um burro chamado Confuso, encontram uma pele de leão. Maquiavélico, o macaco veste confuso com a pele de leão, e passa a propagar as falsas notícias de que Aslam teria voltado e que ele seria o seu porta-voz. Decidido a usufruir da sua posição, Manhoso acaba fazendo uma aliança com os calormanos, que desejam conquistar Nárnia. Debaixo do regime ditatorial, os narnianos são submetidos à longas jornadas de trabalho, sob supervisão tirânica e ainda precisam aceitar que Tash e Aslam são o mesmo deus.
O rei Tirian é traído e feito refém dos inimigos; ao passar a noite amarrado a uma árvore, pede socorro aos amigos de Nárnia, enviados de Aslam. Jill e Eustáquio voltam a Nárnia, e ajudam o rei no combate aos calormanos e ao macaco usurpador.
O mundo começa a desmoronar, toda a benevolência de Aslam desaparece na nova realidade, tornando a população escravos. A grande batalha retratada no final da crônica é uma referência ao apocalipse, assim como a verdadeira Nárnia, a nova Jerusalém, destinada a eternidade dos salvos. Chega ao fim a Nárnia das aventuras e começa uma nova Nárnia eterna, destinada aos fies.
"Ora, nos contos de fadas, ao lado de figuras terríveis, encontramos os seres radiantes, os eternos protetores e consoladores; e as figuras terríveis não são meramente terríveis, mas também sublimes." (p.749)
Pela juba do leão, que livro bom! eis aqui um conto de fadas para nenhum adulto colocar defeito. Lewis consegue cativar o leitor com narrativas fantásticas, escritas com simplicidade, mas que ao mesmo tempo, enlevam pelas descrições ricas e personagens carismáticas. Ao final das sete crônicas, o sentimento é de um coração aquecido depois de uma longa viagem pela encantada Nárnia. Outro ponto positivo é que Lewis compartilha com o leitor, o começo, o meio e o fim do seu universo, ou seja, temos uma narrativa completa. Não poderia deixar citar o texto final, onde o autor discorre sobre escrever para crianças, proporcionando assim, uma visão mais aconchegante sobre sua criação. Nada menos que edificante a forma como o escritor retratou a temática cristã, que ao contrário do que muitos afirmam, passa longe da catequização. Sobre o final, apenas uma palavra: sensacional! A alegria do reencontro de personagens tão queridos ao longo de mais de 700 páginas, sejam os sete aventureiros, os animais falantes, o fauno ou o próprio Aslam no seu reino eterno também foi compartilhado por esta leitora, quase como se também, tivesse chegado a verdadeira Nárnia. Mais um livro para colocar na estante "melhores leituras da vida."