Leonardo.H.Lopes 21/04/2023A Letra Escarlate: “Uma história de dor e fragilidade humanas”Na Boston de meados do século XVII, Hester Prynne, uma mulher casada que veio do Velho para o Novo Mundo sem o marido, que viria posteriormente, depois de transcorrido dois anos de sua chegada sem notícias de seu cônjuge, se envolve em adultério com um homem e, desse pecado, nasce uma criança. Ela, então, é condenada por aquela sociedade puritana a utilizar a letra A, de adúltera, escarlate no peito e a viver proscrita naquele meio.
Contudo, no momento de sua vergonha pública, situação na qual se nega veementemente a revelar seu amante, a mesma reconhece seu marido na multidão. Ao conversarem, Hester concorda em nunca revelar que o homem em questão é seu marido e ele viverá como um médico, com outro nome, também naquele seio, procurando descobrir quem cometeu o pecado com sua esposa em busca de vingança.
Sete anos se passam e a criança de Hester cresce. Costurando e fazendo caridades, Hester passa a ser tratada de outra forma por aquela sociedade que, apesar de sempre cochichar acerca do pecado da mulher, passa a ver o A bordado em seu peito como A de abençoada ou anjo.
O mesmo, contudo, não acontece com o amante, que nos é revelado paulatinamente ao longo do texto. Se negando a revelar seu pecado, o amante de Hester se degenera psicologicamente até o derradeiro final.
Com toda certeza, o enredo desse livro é muito mais complexo do que o escrito. A história não possui muita ação, mas a escrita de Hawthorne é uma escrita de grande qualidade, uma escrita bela, lírica, que faz o leitor apreciar a estética em detrimento do próprio enredo.
A história de Hester, sua filha, seu amante, seu marido e todos naquela comunidade é uma história que denuncia a dor e a fragilidade humanas. Hester com certeza é uma personagem feminina forte, que se redime ao expor seu pecado e acaba por ser muito mais moral do que todos aqueles puritanos que a julgam durante todo o livro. Seu marido se deforma pelo rancor, pelo desejo de vingança. Seu amante, o verdadeiro amor da vida de Hester, repreende quem ele é, o que fez, e nada faz ao ver a mulher com quem comungou pecado sofrendo sozinha, indefesa no cadafalso enquanto era interrogada pelas autoridades na frente de todos e enfrentando comentários hostis das senhoras castas da redondeza.
Esse livro diz muita coisa e ainda tem muito para dizer, afinal passou no teste do tempo e sobreviveu até os dias atuais. Não é atoa que Calvino definiu os clássicos como livros que nunca acabaram de dizer o que tinham para dizer. Merece leituras e releituras.
Seguem alguns trechos:
“Os fundadores de uma nova colônia, seja qual for a utopia sobre a virtude e a felicidade humanas na qual tenham projetado de partida, invariavelmente aceitam, como uma de suas primeiras necessidades práticas, escolher um pedaço de terra virgem para servir de cemitério e uma segunda porção de terreno para construir uma prisão.”
“Quando uma multidão ignorante tenta enxergar com os próprios olhos, fica por demais sujeita ao engano.”
“Penso que deve ser melhor para um sofredor poder exibir livremente seu martírio, como faz essa pobre mulher, Hester, do que ter de mantê-lo oculto no coração.”
“É mérito da natureza humana o fato de que, se o egoísmo não entrar na equação, amamos com muito mais facilidade do que odiamos.”
“O amor, seja ele um recém-nascido ou um renascido de uma dormência como que de morte, deve sempre criar o brilho do sol, enchendo o coração de tamanha radiância que transborde para o mundo exterior.”