Mara Marques 15/12/2022Um romance brilhante, uma mulher à frente de seu tempo.O livro é um exemplo inovador de um novo gênero dentro da ficção do século XIX, o romance psicológico, simples e profundo, abordando questões morais complexas.
Na comunidade puritana de Boston do século XVII (perto da antiga Salem), uma jovem, Hester Prynne, é publicamente punida e humilhada por cometer adultério e dar à luz uma filha ilegítima, uma menina chamada Pearl. Obrigada a usar um "A" escarlate bordado e preso na parte frontal de seu vestuário, Hester lentamente se redime aos olhos da sociedade puritana. Ao longo de sete anos, ela é confrontada com sua dura realidade e com a presença dos dois homens de sua vida: seu marido, ausente e dominador e o seu amante (um pastor e um homem sensível). A verdade sombria de suas responsabilidades emocionais e falhas está diante de si o tempo todo, a lembrá-la de suas atitudes pecaminosas. Após sete longos anos de dolorosa reabilitação, ela emerge como uma mulher forte e inspiradora, enquanto o pastor Arthur Dimmesdale, o pai de sua filha, definha de vergonha e remorso.
No entanto, em contraste com a força dessa mulher, está a passividade do amante que, mesmo atingido pelo remorso, não assume suas responsabilidades até o fim do livro e o desfecho da história. É notável também a crueldade do marido que faz de tudo para vingar-se do adultério. Mas o que mais chama a atenção é a hipocrisia de uma sociedade que, movida por princípios “religiosos”, nega exatamente o que a religião cristã mais prega: o amor e o perdão. Incapazes de perdoar e dar uma segunda chance a Hester (e também sua filha Pearl), as ações da comunidade são cheias de preconceito e esvaziadas do que o cristianismo defende, desde as autoridades clericais até a camada mais leiga da população de Boston.
A Letra Escarlate é um livro surpreendente cheio de simbolismo: o processo de autoconhecimento de Hester Prynne, o reconhecimento de seu pecado e sua redenção final, pontuadas por momentos de confronto com o pastor Dimmesdale, é absolutamente convincente e, às vezes, profundamente comovente. O aspecto mais notável e original de “A Letra Escarlate” está na personagem Hester Prynne, uma heroína que, sem dúvida nenhuma, foi uma das pioneiras na expressão dos sentimentos femininos e da liberdade de pensamento de uma mulher, mesmo lutando consigo mesma e com sua sexualidade em uma sociedade patriarcal, moralista e hipócrita.
O autor, criado em uma tradicional família puritana transfere para as páginas do livro seus próprios questionamentos sobre as interpretações religiosas e o impacto delas na vida real, a partir dos sofrimentos da protagonista principal. Ele destaca as motivações das personagens para identificar o pecado, a graça, a moral e a boa conduta. Ao mesmo tempo, há no texto o repúdio à intolerância, ao fanatismo e ao dogmatismo religioso. Não se assustem com a linguagem rebuscada, ainda assim é uma leitura recomendada, um clássico da literatura ocidental.
Vale notar que o livro foi adaptado para o cinema, com o mesmo título, porém sem corresponder totalmente à narrativa do romance (como geralmente acontece). Assisti novamente ao filme depois de ler o livro, e as diferenças são gritantes, além de perder muito do caráter psicológico e de dar um desfecho totalmente diferente ao do livro. Mas vale assistir, para comparar e ainda assim, decidir pelo livro!