Diego Tonello 29/04/2020Perdido em Marte - Andy WeirFicção científica envolve ciência e ficção, como o próprio Hugo Gernsback disse: "Por 'científico', refiro-me ao tipo de histórias de Jules Verne, HG Wells e Edgar Allan Poe - um romance encantador misturado com fatos científicos e visão profética". Assim sendo, a quantidade de "Sci" e "Fi" depende de cada autor. Era de se esperar que Andy Weir, tendo trabalhado durante 20 anos com desenvolvimento de softwares e compondo seu romance de estreia com o diário de um astronauta que necessita utilizar todos os seus conhecimentos de botânica e engenharia mecânica para sobreviver em um inóspito planeta, além da repercussão dos desdobramentos dos acontecimentos na Terra, tivesse um pouco mais de "Sci".
"Perdido em Marte" nasceu de uma paixão do autor por uma cena de Apollo 13, onde os engenheiros na Terra tentam encontrar, somente com os recursos que eles dispõem no momento, uma solução para que os astronautas presos na cápsula da nave não morram sufocados. A partir dessa situação, Weir começou a desenvolver sua história. Toda a semana ele publicava um capítulo em seu site, onde os leitores, especialistas em outras áreas, buscavam corrigir os seus erros. Pouco depois de ter sido disponibilizado no formato Kindle, o livro atingiu a lista dos mais vendidos da Amazon. Em 2014, o grupo Crown publicava o livro que rapidamente passou a integrar o topo da lista dos mais vendidos do New York Times. No final de 2015, a adaptação estreava no cinema, com Matt Damon no papel principal, como destaca Isabela Boscov.
Buscando discutir um pouco da ciência envolvida em "Perdido em Marte", o canal Nerdologia fez um vídeo bem bacana. Esta temática também foi abordada pela revista Galileu e o portal de notícias G1. Segundo eles, Mark realmente poderia cultivar batatas usando o solo marciano, pois a composição mineral do mesmo permite que isso seja possível, mas somente com a adição de material orgânico, é claro. Já a sonda robótica Mars Pathfinder, lançada em dezembro de 1996, estabeleceu contato pela última vez em setembro de 1997, quando esgotou suas baterias. Então, se elas fossem substituídas, de fato a sonda voltaria a funcionar. Já a solução de Watney para a produção de água, apesar de funcionar, iria produzir uma quantidade imensa de calor capaz de matar qualquer um dentro do Hab.
Já no campo da ficção, é importante ressaltar que Marte possui uma atmosfera extremamente fina, se comparada com a nossa, e a pressão atmosférica é tão baixa que é capaz de tornar o vento em si algo insignificante. O maior problema não é conseguir chegar a Marte, mas sim sair de lá. A saída do planeta vermelho envolve uma série de obstáculos que ainda precisam ser resolvidos pelas agências espaciais antes que sejam lançadas futuras missões, e eu diria que o maior problema é o combustível. Além disso não dispomos de tecnologia suficiente atualmente para construir uma nave como a descrita no livro. E os trajes espaciais que dispomos são muito menos flexíveis e fáceis de se utilizar do que a história nos faz acreditar.
Estes são apenas alguns exemplos do que é ciência e ficção no enredo da história. Levando em conta a bagagem cultural e profissional do autor, já se pode ter uma pequena noção da composição da narrativa. Então, criticar o livro pela quantidade de detalhes científicos presentes, como tenho visto bastante em resenhas e principalmente em comentários do Skoob, não é algo válido. Mas isso não significa que eles não tornem a leitura um pouco cansativa em algumas partes, principalmente no início. Não é em "Perdido em Marte" que você vai encontrar uma ficção científica ao estilo Azimov.
Outro argumento que também não é valido na hora da crítica é a falta de abordagem sobre as consequências de tal isolamento para o personagem. O autor não pretendia abordar tal tema, e ele deixa isso bem claro, no momento em que explica os motivos que fizeram Watney e os outros tripulantes, serem escolhidos para participar desta missão. Cada pessoa reage de uma maneira diferente ao isolamento e solidão como podemos ver na prática com a pandemia de Covid-19.
"Tenho uma oportunidade interessante aqui. E essa oportunidade é o Opportunity"
Lançado em 07 de julho de 2003, o rover Opportunity tocou a superfície marciana em em 25 de janeiro de 2004. Foi inicialmente projetado para uma missão de três meses, entretanto, acabou operando durante 15 anos tendo encerrado suas atividade em 13 de fevereiro de 2019, devido a uma gigantesca tempestade de areia que durou vários meses, descarregando todas as suas baterias. Na empreitada de Watney em direção ao local de pouso da Ares IV, sua última esperança para enfim deixar Marte, ele acaba passando próximo ao local de descanso do antigo rover. Graças a essa passagem podemos estimar o ano em que se passa a história. Talvez seja em 2030 ano em que se espera que as primeiras missões sejam lançadas.
"O custo da minha sobrevivência deve ter sido de centena de milhões de dólares. Tudo para salvar um botânico bobão. Para que se dar ao trabalho?"
No fim, a premissa do livro é resumida nesta questão, para a qual o próprio autor nos fornece a resposta. Watney representa a ciência e o progresso espacial que sonhamos a tanto tempo, porém, ajudar ao próximo faz parte da natureza humana independente da cultura. E sim, ainda segundo Weir, existem babacas que não se importam com isso. Mas eles são uma ínfima minoria e por isso bilhões ficaram ao lado dos esforços para o resgate do astronauta.
Entretanto, em tempos onde o número de pessoas que acreditam na ineficácia de vacinas, terraplanismo, fake news, entre outras coisas, só aumenta, ver o mundo se mobilizando para ajudar uma única pessoa a bilhões de quilômetros de casa parece algo impossível. É muito provável que se essa história estivesse acontecendo atualmente, Mark Watney seria deixado em Marte a própria sorte, ou talvez sua luta pela sobrevivência até o momento de sua morte inevitável fosse transformada em algo parecido com um reality show. Talvez a premissa do livro pode ser considerada a maior fatia de ficção científica da obra.