stsluciano 10/03/2015
Excelente desfecho de trilogia
Não são todos os dias que se termina uma série. Para ser sincero, confesso que gosto mais de começá-las que de terminá-las.
Ler séries demanda tempo, dedicação, e muita paciência com o autor quando ele toma um rumo que nos desagrada. E, o mais importante, fortes relações entre leitor e personagens. Como abandonar um personagem que acompanhamos por tanto tempo? Eu vi Harry entrar em Hogwarts, todo bobinho morando com os piores tios trouxas da terra da rainha, foi doído olhar para ele sete anos depois – na cronologia da série – e dizer adeus. Sinto um pouco disso com toda série que termino. É o que estou sentindo agora terminando “A Formatura”.
Como disse na resenha do primeiro livro da trilogia, no mundo de “O Teste”, trilogia da autora Joelle Charbonneau, “os personagens estão inseridos em um mundo, o nosso, em um futuro onde uma série de guerras com uso de armas químicas, biológicas, atômicas e o quanto mais que se puder imaginar tiveram curso, que levaram a um esgotamento da capacidade de regeneração do planeta, e, claro, à extinção ou mutação de formas de vidas animais e vegetais”.
“A sociedade que emergiu após o sétimo estágio se reagrupou em torno de um sistema que evidencia a figura do líder, uma vez que atribuem à fraca liderança das potências mundiais quando do colapso, em especial a americana, a principal razão para que a guerra não fosse terminada mais cedo.”
De cara gostei do elemento “respeito ao líder”. Em distopias, geralmente temos o “temor ao líder”. No mundo do Teste, a “Comunidade Unida”, o líder é alguém respeitado por ser formatado de tal maneira que seja alguém pronto à responder com energia a todo e qualquer empecilho que se colocar frente ao desenvolvimento social e bem-estar da população. Suas atitudes não são personalistas, ele não quer um trono, longe disso, visa um bem maior. E, ainda, não é temido por determinar massacres e boicotes. Apesar de terem recursos bastante limitados à disposição, há o entendimento de que a sociedade faz o que é necessário para se reerguer, e com o que se tem disponível no momento.
A estrutura social tem cara de maquinário de relógio, com cada um sendo parte da engrenagem que permite o bom funcionamento da comunidade como um todo, sendo os líderes aquelas pessoas que foram aprovados n’O Teste e conseguiram se graduar na Universidade.
O Teste é quase que um personagem do livro. O foco na educação tanto como formadora de lideranças capazes como quanto esperança de um futuro melhor é algo bem trabalhado,mas que não deixa de acrescentar à sociedade uma camada de ingenuidade, na forma de uma confiança cega que a aproxima das demais sociedades distópicas. O fato de que, a cada ano, candidatos de cada colônia são escolhidos para concorrerem a uma vaga na universidade tem pra mim um significado duplo, que depende do tipo de governo no poder: se ele é sincero e age realmente em prol do povo, escolher os melhores alunos de cada colônia faz com que sejam maiores as chances de que sejam aprovados n’O Teste os efetivamente mais capazes, que por fim se tornarão os líderes mais aptos. Se não, se pensam apenas em continuar como classe dominante, retirar dessas colônias suas mentes mais brilhantes é apenas condená-las ao julgo da capital, calando vozes que poderiam se tornar opositoras.
E, em distopia, você tem de ler para tirar a prova.
Cia é uma das selecionadas para o Teste. Gostei dela. Ela pensa, não apenas morre de amores por alguém. Ela tem sangue nos olhos e coração mole. Questiona. Se sente insegura, mas acata ao que tem de fazer. Ela evolui muito durante os três livros, mas o que me faz admirá-la ainda mais é que em nenhum momento ela se torna dona de uma força ou caráter sobrenatural. Ela segue a mesma menina com as raízes entranhadas na distante colônia de Cinco Lagos, que sente falta da família, e se pergunta se tudo um dia terminará bem.
Não vou falar sobre o enredo desse último livro, mas a autora teve que dar uma boa mexida para fazer o final acontecer. Achei bem diferente dos recursos que ela utilizou nos dois primeiros livros mas serviu para dar uma refrigerada na narrativa, que vinha ficando perigosamente linear. E o melhor de tudo é que as coisas não demoram a acontecer. O livro começa do ponto onde o “Estudo Independente” terminou, e ela, Joelle Charbonneau, ganhou comigo um ponto positivo enorme com isso: não precisei de uma ou duas páginas para me situar na história ou me aclimatar ao mundo de Cia novamente; pelo contrário, foi algo automático, e poucos autores conseguem isso.
Ela, a autora, já tinha se mostrado bastante inteligente ao jogar com o leitor no quesito “em quem Cia pode confiar”, lembrando-nos a todo momento de um conselho dado à Cia pelo pai dela pouco antes de ela deixar Cinco Lagos, mas aqui isso toma proporções gigantescas, e os cenários possíveis vão sendo validados até as páginas finais do livro. Não fica claro para o leitor durante o livro quem é o bom e quem é o ruim. Arrisco até a dizer que muitos leitores vão levar um tempo para definir o que acham quanto à isso após a leitura.
Gostei bastante do livro, assim como de toda a trilogia. A autora cuidou para dar respostas sobre o destino de cada personagem, mas as palavras finais do livro, “E ainda há muito por fazer”, me soaram como uma promessa. Não sou eu quem vai reclamar.
site: http://www.pontolivro.com/2014/11/a-formatura-o-teste-livro-3-de-joelle.html