Italo Amorim 07/01/2022
O óbvio pode ser surpreendente
"Os dois morrem no final" é, antes de tudo, um livro óbvio. Não pelo seu título, quanto a isso deixo em aberto para aqueles que desejam ler, mas sim pela sua construção e pela sua escolha de trama principal.
Bom, por mais que eu diga que é um livro óbvio (e essa já é a segunda vez que eu utilizo dessa palavra), não é uma obra clichê. Contraditório? Um pouco, porém vamos desenvolver sobre.
O livro parte de uma premissa pouco vista. Uma ligação, uma notícia e uma certeza: você morrerá em no máximo 24h. No qual, estabelecido isso, você vive a angústia (ou conformismo) do aparente protagonista da obra sobre o que lhe foi noticiado. Você tem no máximo 24h para fazer o que teve vontade nos seus anos de vida e pensar nisso gera mais perda de tempo do que certezas. E aí, o que fazer?
Pronto, fechamos as aspas da surpresa, daqui em diante temos o óbvio. Não o óbvio para mim ou para você, é claro, mas sim o óbvio para um romance tardio. Uma alma gêmea aos 45 minutos do segundo tempo da vida, sem "para quê?" ou "por quê?".
Naturalmente, não há como negar que isso é muito bonito, mas, ainda assim é óbvio. Estraga a obra? Longe disso, porém torna seu desenvolvimento limitado. Costumo dizer que sci-fi's utilizam muito da ferramenta de "despersonificar" o protagonista do livro, tornando objetos, lugares, sentimentos e afins os reais "donos" da obra. Nesse caso, não se trata exatamente de um sci-fi, talvez uma proposta distópica, porém utilizar desse mesmo recurso que eu elogiei é... surpreendente. O protagonista aqui é o amor. Não como Camões ou Platão, mas sim um conceito quase que próprio. No mínimo, não querendo estabelecer novas ideias sobre o amor, diria que algo meio "shakespeariano", algo que te desvirtua de quem são os personagens para focar no que é o romance. Isso é surpreendente.
Eu utilizei o termo "óbvio" umas seis ou sete vezes antes de utilizar "surpreendente" pela primeira vez, o que explica as 4 de 5 estrelas possíveis, porém também explica algo que o livro faz muito bem: estabelecer clichês para quebrá-los.
O falso slowburn do livro é muito bem feito, sendo seus altos e baixos bastante naturais por estarem totalmente dentro da premissa proposta. A obra utiliza das nossas expectativas tendo em vista experiências com obras de romance e desfaz de boa parte delas em míseros parágrafos.
Um livro óbvio? Um livro óbvio, mas também um livro surpreendente. Vai parecer muito com inúmeros romances que você possa ter lido, no entanto, sempre terá algo que nenhum desses livros lhe ofereceu.