@apilhadathay 07/05/2014
OPA!
* Tudo o que acontece, acontece.
Tudo o que, ao acontecer, faz com que outra coisa aconteça, faz com que outra coisa aconteça.
Tudo o que, ao acontecer, faz com que ela mesma aconteça de novo, acontece de novo.
Isso, contudo, não ocorre necessariamente em ordem cronológica.(Douglas Adams)
Antes de escrever a resenha, estava tão chocada que nem sabia por onde começar. Quando recebi o livro, em parceria com a Arqueiro, senti imediato desejo de lê-lo, embora sentisse aquela pontada no coração, por ser o último que Douglas escreveu para a série. É um livro único, polêmico, que foi escrito mais de dez anos após o lançamento do primeiro da série, e é considerado por muitos uma obra avulsa, que apenas retomou alguns personagens, um spin-off.
Depois de vagar pelo espaço, procurando um planeta que fosse ao menos parecido com a Terra, para que pudesse viver em paz, e tendo passado por lugares realmente estranhos, com pessoas mais esquisitas ainda, Arthur encontra sossego em Lamuella, onde passa a viver como Fazedor Oficial de Sanduíches. Enquanto isso, Ford Prefect, que agora trabalha na sede do Guia do Mochileiro, passa maus bocados com a nova direção do livro, a InfiniDim, que tem planos diferentes da editora anterior, e está revendendo o Guia em múltiplas dimensões do espaço-tempo, para lucrar. Tricia, em uma dimensão alternativa em que a Terra permaneceu intacta, é uma repórter popular que está sendo observada por alienígenas do planeta Rupert, que vieram à Terra em uma missão ainda incerta. Suas vidas estão mais enredadas que nunca e, no livro, isso será desenvolvido com velocidade e bom humor.
- Eu sei que astrologia não é uma ciência – disse Gail. – Claro que não é. Não passa de um conjunto de regras arbitrárias como xadrez ou tênis, ou... qual é mesmo o nome daquela coisa esquisita de que vocês ingleses brincam?
- Humm... críquete? Autodepreciação?
- Democracia parlamentar... (p. 22)
Douglas lançou o primeiro livro em 1979 e o quinto em 1992, logo, muitas de suas reflexões filosóficas e o enredo de cada livro foram sendo influenciados pelas mudanças que ocorriam no mundo. Ele não perdeu, porém, o melhor do Nonsense, da Sátira, da Ironia que o tornam tão singular. Douglas é um dos meus autores favoritos - capaz de criar planetas e raças diferentes, divertidas, com direito ao melhor da filosofia de alguém que se dizia Ateu, porém de incrédulo não tinha muito.
O sarcasmo e o humor inteligente e impecável de Douglas não se mantiveram no padrão dos livros anteriores: o nível cresceu, melhorou, mesmo na ausência de queridos personagens - como Marvin e Zaphod -, mas com muitas passagens engraçadas e algumas que podem ter inspirado obras posteriores, como Harry Potter. Há adições interessantes, como Colin um robô que é o total oposto de Marvin e que, mesmo quando repreendido ou rejeitado, fica Esfuziante. Igualmente divertido. E Random, a filha de Arthur e Tricia (oi? Sim, Douglas Adams!), cujo nome veio reforçar a minha ideia de que ele não tinha planejado o fim da série quando a escreveu, mas deixou acontecer.
- Você não pode ver o que eu vejo porque você vê o que você vê. Não pode saber o que sei porque sabe o que você sabe. O que vejo e o que sei não podem ser acrescentados ao que você vê e ao que você sabe porque são coisas diferentes. Também não podem substituir o que você vê e o que você sabe porque isso seria substituir você mesmo. (...) Tudo o que você vê, ouve ou vivencia de qualquer jeito que seja, é específico para você. Você cria um universo ao percebê-lo, então tudo no universo que percebe é específico para você. (p. 82)
O livro encerra a série de Adams com muitas reflexões interessantes e que nos deixam pensando por muito tempo. A exemplo, como só podemos controlar o que dizemos e fazemos, e jamais como os outros vão reagir a isso. Dos cinco livros, este foi o que trouxe mais reflexões dele sobre a vida, em si, mais do que os anteriores.
Arremato que Douglas Adams podia ter uma mágoa muito profunda, contra Deus, não sei porque a tinha, mas ele não era ateu. Em toda a série, há muita zombaria com o Cristianismo, e com as religiões, de forma geral. Mas ele acreditava em Deus, sim. Quem não ama ou não se importa com algo ou alguém é simplesmente indiferente a ele. Quanto mais piada, mais mostra que você se importa, mais fica crível que você tem fé naquilo, talvez mais do que outras pessoas – se põe o dedo na ferida e o gira, é porque está desafiando que algo aconteça. E ele o fez, usando claras referências bíblicas, como a questão da mão esquerda e da mão direita, Cristo, a Cruz, o Apocalipse. Ele mesmo o comprova.
- E de que adianta me mostrar uma coisa que eu não consigo ver?
- Para que você entenda que só porque consegue ver uma coisa, não quer dizer que ela esteja lá. E que, se você não vê uma coisa, não significa que ela não esteja. Tudo se resume ao que seus sentidos fazem com que você note. (p. 145)