Literatura e Expressão 07/03/2023
Ponciá Vicêncio [2003]
Fazer uma resenha curta para esse livro de apenas 118 páginas é uma tarefa difícil. A escrita de Conceição Evaristo tem a mania de criar no leitor um certo gatilho que o transporta imediatamente para dentro de suas linhas poéticas que são tão bem desenvolvidas. Assim como outras obras da autora, este livro aqui não deixa de surpreender por sua densidade e, ao mesmo tempo, leveza.
Em Ponciá Vicêncio acompanhamos a história de uma protagonista que “gostava de ser ela própria”, quando criança. E na sua inocência tinha medo da “cobra celeste” que bebia a água do rio onde ela buscava barro, pois se passasse de baixo do arco desta cobra se transformaria em menino. As memórias, contadas por um narrador onisciente, se mesclam entre o passado e o presente, passando por toda a vida de Ponciá em seus devaneios e investigações internas.
A lembranças de Ponciá transferem ao leitor uma sensação de unicidade do real e o imaginário, revelando uma trama psicológica e emocional de forma complexa. Desde o sobrenome da família até as “suas” terras, eram herança da escravidão negra. Conceição Evaristo aborda, de forma sutil e bem explicita, a exploração rural em um trabalho de semiescravidão que viviam os conterrâneos de Ponciá.
A herança discutida no romance, que seria do avô escravo de Ponciá, que ficou louco, trata-se de uma herança identitária, o que estabelece um diálogo entre o passado e o presente. Além disto a obra aborda diversas perdas que a protagonista sofre durante a vida, acumulando um misto de vazios e partidas até ela se tornar uma grande ausência de tudo. Ao final, já não temos a mesma Ponciá que tinha medo do arco-íris no início e sim um ser que apenas perdeu e se perdeu dentro do limiar entre o passado e o presente.
Difentemente dos contos de Olhos D’água, este romance não tem um final tão trágico, no entanto finalizei rememorando as “lágrimas-risos” que a escrita de Conceição Evaristo me proporcionou.
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