Ãssa 28/05/2024
Ponciá Vicêncio (+16)
O que mais gosto na escrita dessa autora é como ela entrelaça as palavras umas as outras e vai construindo uma história através de um fio que consegui ser delicado mas transmitir um forte sentimento.
A história passa uma sensação de solidão depois da Ponciá se separar da família para seguir sua vida longe do lugar onde passou a sua infância e foi até se tornar moça. Tem tantos desencontros e quando o rumo que cada um tomou se entrelaça, como eu disse dá um nó, porque apesar disso parece que eles nunca alcançam uns aos outros e nisso a protagonista vai relembrando seu passado e no lugar de cada lembrança que passa vai ficando um vazio de saudade. Desde o começo quando falam da herança deixada pelo avô dela eu pensava em uma coisa, mas no meio da narrativa a gente vai entendendo qual a herança, pelo menos eu só entendo no meio, mas quando eu finalmente pensei um pouco sobre é que notei que desde pequena ela estava começando a herdar o que era do avô só que a herança maior ficou para o final quando o vazio toma conta.
Achei bonita a forma como o tempo passa e o irmão, a mãe continuam pensando no dia que vão estar juntos de novo e a Ponciá já perdendo a esperança e se entregando a memórias de tempos que pareciam cada vez mais distantes.
Ela tinha tantos sonhos, mas é claro que na sua cabeça era mais fácil conquistar eles e quando ela se depara com a realidade, é triste ver ela captando que aquilo não era de agora é a realidade se fazendo desde muito tempo atrás. E tem um trecho em que ela diz assim:
?O que adiantará? A vida escrava continuava até os dias de hoje. Sim, ela era escrava também. Escrava de uma condição de vida que se repita. Escrava do desespero, da falta de esperança, da impossibilidade de travar novas batalhas, de organizar novos quilombos, de inventar outra e nova vida.?
Ou seja, não importa onde estava, a condição prevalecia apesar dos seus esforços. Aqui ela já estava exaurida de tentar fazer diferente porque viu que a vida dela estava se tornando que nem a de todos que vieram antes dela, não importava o quanto ela tivesse trabalhado para conseguir até mesmo um cantinho, levaria ainda mais tempo para conseguir algo melhor e teria de se esforçar mais ainda mesmo estando tão cansada. Um outro que afirma isso:
? O que acontecerá com os sonhos tão certos de uma vida melhor? Não eram somente sonhos, eram certezas! Certezas que haviam sido esvaziadas no momento em que perderá o contato com os seus. E agora feito morta-viva, vivia.?
Isso também deixa bem claro que a falta que sente afeta muito também, pelo menos lá ela tinha os seus, como ela mesma diz. Ela vem de uma terra em que o povo ainda estava preso as raízes do tempo da escravidão e tem uma parte em que ela diz assim, foi em um momento que ela estava relembrando quando foi visitar sua casa:
?O tempo passava e ali estavam os antigos escravos, agora libertos pela ?Lei Áurea?, os seus filhos, nascidos do ?Ventre livre? e os seus netos, que nunca seriam escravos. Sonhando todos sob os efeitos de uma liberdade assinada por uma princesa, fada-madrinha, que do antigo chicote fez uma varinha de condão. Todos, ainda, sob o jugo do poder que, como Deus, se fazia eterno.?
Dentre todos os livros que li da Conceição Evaristo esse foi o que mais consegui me conectar com a história e com os personagens, principalmente por não se tratar de um conto e pelo fato de que podemos ter contato junto com a Ponciá de suas lembranças e sensações em mais detalhes apesar de ser um livro curto.