Nic 17/01/2023
"[...] só por ser mãe de três filhos, era obrigada a ser feliz em sua pobreza, em sua agonia que a levava a roer as unhas, em seu estômago convulsionando, em seus farrapos, em seu quarto atulhado [...] Quando começou a sentir pontadas de fome comprimindo as laterais do estômago, mudou levemente de posição, na esperança de, assim, amenizar a necessidade de comer um cavalo inteiro."
"as alegrias da maternidade" é um livro duro, nos mostra uma sociedade com tradições enraizadas no patriarcado, na submissão feminina e no trabalho pesado. abusos dos mais terríveis são tolerados no ambiente doméstico e qualquer pessoa que "transgrida" os costumes é vista com maus olhos. é interessante a maneira com que a autora descreve as engrenagens dessa sociedade, nos mostrando exatamente os comportamentos que fazem com que ciclos prejudiciais continuem existindo. felizmente, do meio para o final, notamos que mudanças sutis vão transformando a vida dos personagens aos poucos com o sopro de apenas uma geração.
"Deus, quando você irá criar uma mulher que se sinta satisfeita com sua própria pessoa, um ser humano pleno, não o apêndice de alguém?"
conhecendo tais engrenagens, chegamos à conclusão de que nnu ego não só carrega o peso de ser mãe e esposa, a personagem carrega o peso árduo das correntes da tradição de seu povo - comunidade rural pequena e de hábitos coletivistas - em uma cidade grande e hostil. como ela mesma percebe depois de uma vida exaustiva de pura doação à família, morremos solitários no mundo e sua morte seria mil vezes mais solitária. nnu ego suportou um estômago vazio de fome, a responsabilidade de ser provedora de um lar de sete filhos e, antes de tudo, a solidão de uma mulher preta pobre e analfabeta.
"Era verdade o que diziam, ela pensou, que se você não tem filhos, o desejo de tê-los acaba com você, e se tem, as preocupações acabam com você."
é dolorido ver sua juventude roubada pela maternidade, seus desejos enterrados pelas obrigações, vê-la espremer a própria alma pra conseguir reunir forças para não ver os filhos morrerem de fome e terem oportunidades diferentes das dela. nnu ego é como uma terra rica em vida, que depois de tempos de abundância, vê-se seca por dentro, incapaz de trazer frutos à vida.
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a característica que sempre admirei dos livros é a maneira com que alguém, de qualquer lugar do mundo, tem a oportunidade de contar histórias a outras pessoas sem nunca ter cruzado com elas na vida. para imergir melhor na história nigeriana, pesquisei e assisti vários vídeos sobre o país em que ela se passa, que se revelou um lugar cheio de pessoas incríveis e carregado de inúmeras culturas.
quanto à estrutura do livro, sinto que a história pode ser acompanhada por uma curva crescente no início, que dá estagnadas no meio e desenrola-se rapidamente para o fim. este fim em específico foi narrado de maneira muito superficial, enquanto o "desenrolar" teve muitas nuances. tirando o sentimento de estranheza, relacionada à narração, que me tomou no final, o livro foi uma experiência valiosa.