spoiler visualizarrams0 27/12/2023
Fantasia nacional dando o nome!
Eu tinha escrito algumas palavras antes de terminar a leitura, só pra me lembrar do que queria comentar. Todas eram elogios, mas isso mudou bastante. Acho que se o livro tivesse acabado nos primeiros 50%, seria 5 estrelas.
Eu gostei muito da leitura, sério, que universo fantástico! Os detalhes do mundo são maravilhosos. A proibição da cor vermelha e todos os malabarismos que foram criados para evitá-la (tipo as armas cauterizadoras), a cultura dos sinfos e dos kaorshs, suas crenças individuais, a própria criação dessas espécies, os túneis dos anões e as linhas coloridas... tudo foi pensado. Adoro pegar um livro e VER que tem trabalho ali.
Como mencionei, os primeiros 50% me amarraram na leitura. Descobrir aquele universo e os personagens foi mágico. Mas sinto que, desde que Aparição tomou mais protagonismo no livro, ele ficou bem pacato.
Quando o grupinho juntou no Coração da Estátua, dos 50% até uns 75%, eu não via mais tanta originalidade no enredo. Era uns ataques aqui, outros acolá, com propósitos meio soltos de talvez levantar uma revolta, provocar Una... ficou meio batido. Não vi mais grande riqueza de detalhes, personagens com objetivos e arcos próprios, personalidades marcantes... só Harun teve algum destaque pessoal nesse sentido, e seu conflito nem foi tão intrigante, até porque era mais sobre mostrar a família dele e os antepassados. Inclusive, arrisco dizer que Yanisha teria sido uma líder melhor do que Aparição, além de que teríamos um casal belíssimo dela com Raazi por mais tempo (foi uma das maiores decepções do livro ver o casal sáfico se separar tão cedo).
Gostei da identidade da Aparição e da origem dela, mas admito que a personalidade dela era bastante entediante, assim como Venoma. Elas eram bem unidimensionais, eu diria. A Aparição tinha bastante do arquétipo do mago: misteriosa, conhecedora de muitas coisas e benevolente. Não sou muito fã de personagens assim. Venoma, por outro lado, só era carracuda. Achei que ela seria uma personagem um pouco mais importante/relevante pelo tanto que era mencionada no começo do livro. A verdade é que a presença dela não faz diferença.
Agora a parte mais complicada: A Fúria dos Seis, Una, a Centípede e Proghon. Minha cabeça gira de pensar. Primeiro: a história da Fúria dos Seis é mentira, ok. Mas ela me faz questionar o que é real, então. Existiam seis deuses? Una é mesmo uma deusa ou só uma marionete da Centípede? Como eram feitas suas sósias? A Centípede são os seis deuses? Além de que a história da Fúria é muito confusa. Lembro de ler no começo do livro e já encontrar controvérsias. A parte em que os deuses se sentem culpados por punir as raças e se transformam em Una para que fosse perfeita não faz sentido. Por que se tornar um só te tornaria perfeito? Eu não entendi essa linha de raciocínio. E se os deuses odeiam tanto a guerra, sofrimento e sangue, por que Untherak é um grande centro de tortura ambulante? Os deuses sentiram vergonha de terem punido suas criações mas criaram Untherak para continuar punindo eles? Odeiam a cor vermelha por causa do sangue e da violência que ele representou, mas perpetuam esse ódio no regimento que criaram na cidade? Isso não parece nem um pouco "perfeito" pra mim. Sei que a história é falsa, mas tem tantas controvérsias que não se presta a parecer verdadeira.
Sobre Una: A Centípede comeu ela? Tinha mesmo o espírito de uma deusa dentro dela ou ela só uma marionete? Naquela cena que as sósias estão sendo mortas, a "Una" da vez estava entre elas? Por que a Centípede comeu as sósias? Foi Proghon quem mandou? Na minha cabeça foi porque a figura de Una passou a ser muito questionada e já não tinha autoridade sobre o povo depois do que Raazi e Yanisha fizeram, então Proghon entrou na linha de frente, mas isso é só uma teoria minha, não fica explícito no livro.
Acredito que muitas dessas coisas vão ser comentadas no próximo livro, mas achei que muitas pontas ficaram abertas.
Em geral, o saldo foi positivíssimos. Sobre os pontos que gostei, Aelian tem um diferencial muito interessante como personagem, que eu nunca tinha notado/sentido antes em nenhuma outra obra de fantasia. Ele não parece ser um herói forçado. Na verdade, acho que nem se encaixa como um dos típicos heróis de fantasia, porque ele só é uma boa pessoa, e foi construído para ser isso. O personagem em si não soa prepotente. Ele tem medos, é empático com os outros e não tem uma ambição fervorosa por ser o salvador de algo grande ou o mártir que muitos outros protagonistas de fantasia tem, ou acabam sendo. Ele é o protagonista, mas ao mesmo tempo nem tudo no livro (quase nada, na verdade) gira em torno do que ELE faz, do que ELE decide e do ELE quer.
Raazi é um pouco mais clichê nesse sentido: ela é revolucionária e tem força de vontade. Mas, mesmo assim, o que leva ela ao centro do conflito é ajudar a esposa a realizar seu plano. E ainda mais do que isso: estar disposta a MORRER por esse plano. Por estar atrelada a um ideal tão grande de carinho com sua esposa e sua decisão não ser meramente baseada na ideia de "vou fazer isso porque salvarei a cidade, mudarei o governo, criarei uma revolução e me tornarei símbolo dela" que a personagem fica ainda mais humana. Eles são todos muito pé no chão, sabe? Uma coisa que vejo muito em personagens de fantasia (heróis em sua maioria) é essa intocabilidade, que ele é forte e sempre vive no final, que não falha (ou, se falha, sempre se recupera na hora H, com um belo Deus Ex Machina), que é confiante e move multidões a ouvi-lo, que é um grande lutador e bla bla bla. Mas, aqui, eu vejo mais as desesperanças e vulnerabilidades dos personagens, e vejo que eles não parecem ter sido escritos como heróis épicos, mas como pessoas comuns que tem coragem de fazer a diferença.
A jornada do herói é bem presente aqui, mas se apresentou de uma forma tão madura (na escrita, na construção de personagens, nos temas que foram abordados) que eu não me senti incomodada como aconteceu na minha leitura anterior (que achei bem mais infantil e crua, algo batido onde eu não conseguia ver a originalidade do autor). O final foi chocante, especialmente o epílogo. Quero muito ler a continuação! Definitivamente Ziggy e Harun também estão no meu coração. Queria parabenizar o autor pela construção do Ziggy, aliás, porque é difícil, ao escrever um personagem com o arquétipo dele, encontrar um equilíbrio para que ele não seja infantil e caricato demais a ponto de ficar meio "vergonha alheia". Também não podia faltar o melhor personagem do livro: Bicofino. Eu AMO quando tem pets relevantes na história, e Bicofino é o melhor pet possível!
O texto ficou gigante, mas esse livro merece. Leiam literatura nacional!!! Leiam Ordem Vermelha!!!!