André M. Carneiro 14/08/2023
O crime não era fazer, mas ser.
Eddy Bellegueule narra sua história de forma tão íntima que nos faz imaginar estarmos lendo o seu diário, cujo o qual escondia dos pais com medo das violências. Tal intimidade, baseada em detalhes contados de forma genuinamente crua, entrega o texto enquanto autobiográfico. Eddy é também Édouard Louis, autor do livro.
A sua infância foi baseada no desequilíbrio entre a pacata vida numa vila operária do interior da França (com campos abertos e brincadeiras inocentes), e a pesada vida neste mesmo ambiente, marcado por preconceitos, pobreza, pela falta de perspectivas e o alcoolismo. Nesse cenário, os trejeitos do garoto foram suficientes para que sofresse todo tipo de violência, física e psicológica, por meio de atos praticados por colegas, vizinhos, adultos, crianças, e principalmente pelos seus próprios familiares. Vale ressaltar que o pai de Eddy, bem como a sua mãe, pareciam nutrir certa satisfação ao ver os sofrimentos daquele filho que tanto os envergonhavam.
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Das violências sofridas, as piores heranças:
“O ruivo grande e o outro de ombros caídos me batem uma última vez. Eles vão embora de repente. Logo estavam falando de outra coisa qualquer. Frases cotidianas, insípidas – e essa constatação me magoava: eu significava menos na vida deles do que eles na minha. Eu lhes consagrava todos os meus pensamentos, minhas angústias, desde a hora em que acordava. Sua capacidade de me esquecer tão rapidamente me atingia” (LOUIS, 2018, p. 34-35).
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Os insultos e os pesos dos acontecimentos pioram ao longo do texto, de forma que reverberam numa situação insustentável, Eddy detestava ser o que era, Eddy se odiava. Ir embora do vilarejo parecia ser a única saída, mudar-se para longe dos seus algozes, dos seus pais. No entanto, nada livraria Eddy do seu destino, e assim como ocorre com a maioria dos seus iguais, ele logo é confrontado pela vida ao se mudar para uma cidade relativamente grande, onde estudaria teatro.
Segundo suas próprias palavras: “o crime não era fazer, mas ser. E, sobretudo, parecer ser” (LOUIS, 2018, p. 129). Dessa forma, Eddy entende que as violências não cessarão, e cabe somente a ele a tarefa de que ao menos um ser-humano torça pela sua felicidade, ele mesmo.
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