Jana 26/06/2014
Susie Salmon é a primogênita de uma família amorosa. Ela tem uma vida tranquila e sonha em ser fotógrafa da vida selvagem quando for mais velha. Ela acredita que os anos que estão por vir serão marcados pelo sucesso, conquistas e emoção. Até que numa noite, esses anos se transformam em pó. O vizinho dela, Sr. Harvey, a atrai para um inocente esconderijo que ele construiu num milharal. O Sr. Harvey, homem solitário e excêntrico, estupra Susie, a mata e a corta em pedacinhos.
Esse é o ponto de partida para “Uma Vida Interrompida – Memórias de um Anjo Assassinado”. Não se preocupe, não é nenhum spoiler – esse acontecimento macabro aparece nas primeiras páginas do livro. Susie, sendo arrancada tão violentamente de sua vida, parte para um lugar misterioso de onde ela pode observar as pessoas que ficaram para trás. Basicamente, esse é o enredo: uma menina morta assiste e vigia os vivos. Sua família, os vizinhos, os amigos... Susie permanece com eles, como uma sombra. E o livro trata daquilo que ela vê. De fato, é um livro sobre perda, tanto para a protagonista quanto para sua família.
Para avançar e ir para um céu diferente – o céu no qual ela está é como se fosse uma sala de espera - Susie precisa desligar-se dos vivos. E para seguir em frente, os vivos precisam desligar-se da menina assassinada. É um livro bonito. Apesar da premissa violenta, a parte que descreve o estupro e a morte de Susie é a única parte realmente forte da obra. No mais, é de forma muito delicada que acompanhamos os personagens. Para citar alguns:
- Há Jack, o pai. É ele quem mergulha mais fundo no desespero provocado pela morte de Susie, tornando-se obcecado em descobrir o assassino;
- Abigail: a mãe. Ao invés de mergulhar, ela emerge e foge. A personagem que menos gostei e que no decorrer das páginas, ao invés de me dar pena, me deu é raiva.
- Lindsey: a irmã. Certamente, a mais forte entre os personagens. A sequência na qual ela invade a casa do Sr.Harvey foi ótima! Extremamente tensa.
E há muitos outros: Ruth, Lynn, Buckley, Len, Ray... E claro, o Sr. Harvey. Todos são importantes, todos tem papéis fundamentais. O acompanhamento da vida deles é feita de forma sutil e domina o livro – quando eu comecei a ler, imaginei que o destaque estaria em Susie e no céu em que ela está. Felizmente, eu estava enganada.
Pensei em dar 4 estrelas para esse livro, mas tem algo que eu não gostei. Muitos vão discordar, pois a cena da qual eu vou falar é do tipo que agrada a maioria. Para mim, foi completamente destoante e acabou com todo o clima de sutileza. Eu estava concentrada na leitura e quando essas passagens se desenrolaram, me afastei e fiz uma careta. "Que merd* é essa?". Pois é. Uma cena tão pequenina, mas que me obrigou a fazer o que Susie deveria ter feito - desconectar.
--- Agora sim, é SPOILER. Continue por sua própria conta e risco ---
Achei ridículo quando Susie baixou em Ruth. Susie estava evoluindo, estava se preparando para aceitar sua passagem. De repente, *puf*. Momento possessão? E pior, usar o corpo de Ruth para transar com Ray? Achei terrível. Sim, ela queria desesperadamente um novo beijo, sentir como era crescer, sentir-se viva de novo. Ok. Mas o propósito não era Susie passar por todo o processo de “reality show” com a família dela para conseguir, enfim, a paz? Descer em Ruth e dormir com Ray foi uma curva, uma regressão de volta para a carne. Achei desnecessário, até fútil. Teria sido mais aceitável para mim, até por conta de toda a trajetória da narrativa, Susie ter escolhido então ter um último abraço do pai ou sentir a chuva de novo - digo isso porque há uma bela passagem na qual ela dá um sentido especial para a chuva, o vento, as trovoadas. Nessa parte do livro, lembro-me, em especial, de um diálogo maravilhoso entre Susie e sua mãe:
" — Você parece invencível — disse minha mãe certa noite.
Eu adorava esses instantes, quando parecíamos sentir a mesma coisa. Virei-me de frente para ela, enrolada na minha camisola fina, e disse:
— Eu sou."
Enfim, esse momento de possessão foi tão estúpido, ao meu ver, que a parte final do livro perdeu um pouco da graça. Ainda assim, é uma boa leitura. Rápida, emocionante e interessante. Só uma dica: não leia se estiver esperando vinganças. Há justiça – isso sim -, mas não vingança.