Priih | Blog Infinitas Vidas 23/10/2022
Eliana Alves Cruz não teme expor as fragilidades raciais da nossa sociedade
A obra acompanha os anos de vida de duas mulheres negras, mãe e filha, que têm suas vidas marcadas pelas consequências de um país que coloca corpos negros em posição de servidão. Mabel, a filha, sabe desde cedo que não quer traçar os mesmos passos da mãe, almejando um futuro melhor e conquistando sua tão sonhada vaga no curso de Medicina; Eunice, a mãe, trabalhou como empregada doméstica a vida toda e tem um conflito interno muito forte sobre os sentimentos em relação à família de classe média alta que por tantos anos a empregou. Um acontecimento trágico é um catalisador para que Mabel pressione a mãe a se libertar desse vínculo, ao mesmo tempo em que Eunice tenta entender como lidar com o que aconteceu. [...]
Uma alegoria importantíssima ao longo da obra é o conceito do quartinho – não apenas como cômodo, mas como espaço metafórico para o corpo negro. Eliana Alves Cruz não teme expor as fragilidades raciais da nossa sociedade, tendo um texto pungente e, ao mesmo tempo, de grande fluidez (o que torna o livro ágil). Mabel observa desde criança sua mãe sendo obrigada a limpar, cuidar, organizar e fazer tudo para seus empregadores brancos, que adoram dizer que “ela é praticamente da família” ao mesmo tempo em que a relegam a um espaço apertado e apartado dos demais. A própria Mabel, diferente das crianças que ela vê crescer na casa dos patrões (como a filha do casal, Camila, e outros amigos do prédio), também não recebe o mesmo tratamento: enquanto a infância de uns é preservada, a de outros é destinada a ajudar “na lida”, fazendo o possível para se tornar invisível e não atrapalhar o dia a dia da branquitude que frequenta aquele apartamento.
[...] Solitária é um livro excelente, que toca em diversas feridas abertas em relação ao racismo no Brasil. Com uma narrativa leve, mas firme, Eliana Alves Cruz faz um passeio por diversas desigualdades que assolam com muito mais força a camada mais vulnerável da população: de subempregos a gravidez indesejada, de escravidão moderna (mas sem a espetacularização de A Mulher da Casa Abandonada) até a maior vulnerabilidade frente à Covid-19. São temas pesados, que impactam, mas trabalhados de forma tão didática que as páginas fluem e você sente a revolta no fundo do coração por saber que nada do que está escrito ali é tão ficcional assim. Pra mim, Solitária entrou pro hall de livros que todo mundo deveria ler.
Te conto mais sobre essa obra marcante no blog. Bora?
site: https://infinitasvidas.wordpress.com/2022/10/23/resenha-solitaria-eliana-alves-cruz/