Laura.Brito 26/07/2023
Ao cair das máscaras
Elena Ferrante tem o dom de nos fazer mergulhar em tramas complexas atravessadas pela profundidade das personagens, especialmente as femininas. Nesta obra, acompanhamos a crise de Giovanna no que percebe o fim da própria infância. Depois de ouvir do próprio pai que está ficando feia, tal qual sua tia conhecida por sua feiura e maldade, a garota vê suas certezas se desmoronarem diante de sua transição de menina à mulher.
A adolescência de Giovanna é marcada pela confusão de sentimentos, pela pressão estética que acomete todas as mulheres a partir dessa fase e a busca por sua identidade. Tentando entender a sentença do pai, ela se aproxima de sua tia. Esta terceira presença é responsável pelo questionamento da imagem idealizada dos pais e, também, da vida adulta. Aos poucos, Giovanna deixa de enxergar seus pais somente como seus pais e passa a enxergá-los como as pessoas que são - sinal inevitável de crescimento. Por baixo das máscaras, a menina enxerga um teatro de mentiras e falsidades que permeiam as relações adultas.
Enquanto lida com a quebra de expectativas acerca de sua família, ela busca entender a si mesma atravessada por questões transformadoras na vida de toda adolescente, como a autoimagem, o sexo, as amizades, o amor e o ódio, a descoberta da liberdade. A rebeldia que dispara contra os pais traduz sua própria confusão e o rancor de ser, subitamente, afastada do mundo fantasioso infantil onde tudo era fácil e tudo era justo. Ao acompanharmos a história de Giovanna, acompanhamos sua releitura sobre a cidade onde vive, as pessoas que conhece e ela própria.
Já tendo lido outros livros da autora, posso afirmar que poucos romances conseguem atingir tamanha profundidade a construção das personagens e as relações interpessoais que se tecem ao longo da história. Ferrante tem a habilidade de escrever mulheres imperfeitas, tão imperfeitas a ponto de serem reais. Não faltam momentos de identificação com alegrias e sofrimentos, assim como não faltam momentos em que, diante da honestidade da autora ao compôr as personagens, nos cabe julgamentos e até mesmo revoltas com suas condutas.
No estilo literário de Ferrante, notei proximidades com a tetralogia napolitana, principalmente na maneira de construir as personagens femininas: imperfeitas, reais, relacionáveis, profundas e não-romantizadas. Talvez essa sinceridade crua ao escrever (sobre) mulheres seja o que mais aprecio no trabalho da autora.
Fiquei surpresa ao ler várias críticas negativas a esse livro. Talvez porque seja uma leitura mais densa, mais fria e mais cínica do que os trabalhos anteriores. Contudo, tenho que concordar quando sugerem que esse não é o melhor livro para iniciar a aproximação com a autora. Depois de familiarizada com o tipo literário que Ferrante propõe, esse livro vem como leitura mais potente, profunda e transformadora. Gosto de pensar que a autora escreve sobre mulheres para mulheres. Por essas e outras, a necessidade e indicação de ler mais vozes femininas.