Tico Menezes 17/03/2024
"O divino para mim é o real"
Ah, Clarice... Você tem se tornado uma figura mais importante na minha vida com o passar dos anos. Antigamente era só um nome na aula de português, uma pontada de curiosidade num trecho lido na internet, uma mulher idolatrada que, em minha imaturidade literária, eu sonhava em entender o porquê. Hoje, é um dos nomes que mais me interessam nesse universo. Sua existência complexa e as marcas indeléveis deixadas em seus contemporâneos me fazem querer te ler, te estudar, aprender com sua eternidade. No meu eterno ler, o farei calmamente.
O que nos traz a essa pedrada que é A Paixão Segundo G.H. Uma reflexão dolorosamente honesta sobre existir numa sociedade repleta de opressões e expectativas. Os capítulos, embora curtos, são profundos, convidam a pensar sobre diversos temas, constroem G.H. como alguém que não aguenta mais ser humano e quer mais sendo menos. Mas o que é esse mais? E o que é esse menos? E quem vai decidir o que é o quê?
Numa entrevista para a TV Cultura em 1977, Clarice diz que um professor de português a abordou dizendo que leu quatro vezes esse livro e não sabia dizer sobre o que se tratava, no dia seguinte, uma jovem de 17 anos a abordou e disse que esse era o seu livro de cabeceira. Para mim, isso é A Paixão Segundo G.H. A subjetividade, a crise da incompreensão, a dor da compreensão, o amor pela literatura, a rejeição do proselitismo, o fascínio pelo que fazemos birra para entender e talvez nunca entendamos, a incerteza de compartilhar trechos e pensamentos com os quais nos identificamos sem saber se alguém mais vai entender como entendemos.
Seria ótimo poder dizer que é um livro sobre uma mulher que passa a refletir sobre sua vida após ver uma barata. Me faria dividir esse livro com muito mais gente. Mas é tão, tão mais, que simples recomendações não fazem jus. É preciso ter vivido essa leitura. É preciso deixar que ela te encontre. É preciso deixar que ela te viva.