gui almeida 25/07/2012
Viva Machado!
Dom Casmurro é meu livro favorito. E sempre que eu digo isso algum pseudo-cult me pergunta “ah, então qual a sua opinião sobre Capitu? Traiu ou não?”. Invariavelmente gera-se uma discussão, pois acho que sou a única pessoa na face da Terra que acredita que Capitu era uma sem vergonha.
Invariavelmente eu apresento argumentos que desmontam completamente qualquer teoria da pessoa, e invariavelmente a discussão termina-se com a pessoa me ignorando. Pois bem, visto que hoje é dia do Escritor, homenagearei o maior escritor de todos os tempos com um texto sobre sua maior obra.
Capitu traiu Bentinho.
I mean, é o que o narrador diz, e eu acho inconcebível você negar o que um narrador diz.
Pra mim, é a mesma coisa de dizer que não, o Harry Potter nunca foi pra Hogwarts, na real o Harry Potter é um esquizofrênico que ficava tendo ilusões embaixo da escada dos tios. Se o narrador tá dizendo e você se propôs a entrar no universo de um livro, porra, aquela é a verdade! Capitu é safada por que Bentinho assim disse! Qual o sentido de contestar o que é dito com todas as palavras pelo narrador que te acompanha desde o princípio? Narrador esse que te mostra passo a passo todos os ocorridos que o fizeram chegar nessa constatação?
O Machado explorava os personagens profundamente. Lembro muito de Memórias Póstumas, quando o Brás Cubas diz “eu gostava dela, mas ela era coxa, então nada podíamos ter”. Isso, pra mim, fala bastante sobre o estilo Machadiano. Não por causa de ser direto – muito pelo contrário, o Machado era sempre subjetivo e raramente direto assim -, mas pelo fato de que o Machado sempre criava personagens profundos. São pessoas comuns, que poderiam ser eu ou tu, mas que o autor dá tamanha profundidade aos sentimentos e pensamentos que fazem com que cada um torne-se único. E o Machado, no decorrer do livro, faz você conhecer até o mais profundo e obscuro sentimento dessa pessoa, aquela opinião que tu guarda tão escondida que tu mal percebe que a tem, e aí entra a questão do “eu gostava dela, mas ela era coxa”.
Nós conhecemos os personagens do Machado tão profundamente quanto eles mesmos. E, conhecendo Bentinho, pela minha interpretação, por ter lido Dom Casmurro 3 vezes, eu chego às minhas conclusões.
Eu as baseio na história inteira, mas tenho dois pontos que acho primordiais:
a) Bentinho não era ESQUIZOFRÊNICO, ele apenas tinha uns devaneios. I mean, ele por vezes ouvia vozes, como “tu serás feliz, Bentinho”, mas não significa que ele vai destruir um casamento por causa de um devaneio de insanidade. Até por que ele não chegou à conclusão de que Capitu o traíra de um dia pro outro. Foram vários anos, vendo a proximidade dela com Escobar, vendo o filho dele crescer e se parecer com o amigo e tal. Foram diversos fatores que somaram a um denominador comum. Não creio que ele tenha conseguido viver em um mundo completamente imaginário por tanto tempo, afinal, ele era uma pessoa comum, um advogado respeitado, plenamente aceito em sociedade. Não dá pra ser completamente insano e ter uma vida assim!
b) A resignação de Capitu.
“Capitu, tu me traíste!” “Ok, Bentinho, não vou discutir contigo” “Mas, mas…” “Ok, ó, vou ali na igreja, quando eu voltar a gente se separa, blz? Fmz então, abs é nóix”
É tudo uma forma de interpretação. Até por que o Bentinho raramente dizia que Capitu o traiu com todas as palavras. Deve ter dito umas duas vezes, apenas. Mas durante toda a história ele dá sinais de que Capitu era meio assanhada. Não só Bentinho, mas o próprio agregado já dizia isso. Inclusive, o primeiro diálogo do livro é justamente o agregado falando mal dos costumes de Capitu e “daquela gente do Pádua”.
E Machado fazia muito isso – pelas entrelinhas, pelas minúcias, pelas coisas subentendidas, passar a ideia.
Por fim, creio que ela ter traído não era NEM DE LONGE o que Machado queria que nós estivéssemos discutindo aqui. Em fato, acho uma grande falta de profundidade literária discutir se ela traiu ou não. Até por que Capitu foi apenas mais uma perda na vida de Bentinho. O Machado, em Dom Casmurro, queria mesmo é ilustrar o sentimento mais mórbido e nauseante que alguém pode sentir em vida – a solidão. A melancolia. O desapego.
Na vida dele houve pessoas muito importantes e Capitu foi apenas mais uma delas. Houve sua mãe, houve Escobar, houve o agregado, houve diversos. E cada um vai sumindo, um a um.
A grande ironia é que ninguém para pra se perguntar “Ué, Escobar realmente se afogou? Ué, a mãe dele morreu de doença ou de velhice?”. E ninguém pergunta isso por que é CLARAMENTE OBSOLETO. Saber isso não muda a ideia principal – era uma parte da vida de Bentinho o deixando.
Da mesma forma é Capitu. Trair ou não, não muda o fato de que contribuiu para uma vida plenamente destruída de Bentinho, e é a isso que Machado se referia. Imagino que ele ficasse indignado das pessoas não perceberem isso. Tanto que, assistindo à série, na última cena, não fica-se triste por vê-lo chorando. Fica-se triste por ver as pessoas indo embora, uma a uma, e restando apenas Bentinho em uma sala grande e vazia.
Enfim, esse livro é uma obra de arte. Da mesma forma como não se pode dizer que Mona Lisa está sorrindo, não se pode tomar uma conclusão sobre Dom Casmurro. São tudo hipóteses, opiniões, interpretações. Nos resta apenas prestigiar a maior história, feita pelo maior escritor do mundo.