Julia G 13/10/2017Nossas NoitesCom uma capa singela, mas que muito representa sua trama, Nossas Noites, de Kent Haruf, logo me chamou a atenção, mas por um motivo não tão nobre: suas poucas páginas. Pensei que, se o enredo não conseguisse me envolver, ainda conseguiria fazer uma leitura rápida, então por que não arriscar? Felizmente, eu estava muitíssimo enganada ao pensar assim e percebi isso logo que o livro chegou às minhas mãos, visto que havia uma carta da editora dentro dele com ótimas recomendações. Quando cheguei ao fim da leitura, lamentei essas mesmas poucas páginas.
Nossas Noites conta a história de Addie e Louis, dois vizinhos septuagenários que já cumpriram todas as "formalidades" da vida e, agora, parecem não ter uma função bem definida na sociedade. Tudo muda quando Addie bate à porta de Louis com uma proposta inusitada: que ele passe as noites na casa dela para terem um ao outro como companhia, sem outras intenções além de ter alguém ali do lado.
"Não, sexo não. Não é essa a minha ideia. Acho que perdi todo e qualquer impulso sexual já faz muito tempo. Estou falando de ter uma companhia para atravessar a noite, para esquentar a cama. De nós nos deitarmos na cama juntos e você ficar para passar a noite. As noites são a pior parte. Você não acha?"
A leitura do livro se torna interessante desde sua construção textual. Sem aspas ou travessões que demarquem os diálogos, o texto exige do leitor maior atenção a cada parágrafo, para que se possa acompanhar a história em sua plenitude. Isso não atrapalha em nada e ainda nos obriga a reparar em detalhes da escrita que, com a devida marcação, talvez passassem despercebidos.
Para além da forma, o livro conquista muito mais por seu conteúdo. Um romance entre "velhinhos" pode parecer desinteressante num primeiro momento para quem vive em plena juventude, mas acho que li poucas histórias de amor tão tocantes quanto essa. Acompanhar Addie e Louis é transbordar emoção e, por isso, Nossas Noites se torna um daqueles livros que acalenta o coração.
É inspirador ver um romance nascer sem aquela urgência da juventude e se solidificar nos pequenos detalhes do dia a dia. Não há aqui aquela incerteza incômoda de um futuro, já que o futuro não importa mais, apenas um dia após o outro. É lindo acompanhar os dois se redescobrirem um no outro, deixarem a comodidade de lado para viverem coisas novas, se tornarem pessoas melhores quando ninguém espera mais algo diferente nessa fase da vida. Fiquei fascinada pela forma como a obra de Kent Haruf mostra o amor como ele sempre deveria ser: sem pressa, sem posses, sem interesses; somente o prazer de ter aquela pessoa ao seu lado.
"Quem imaginaria que, a essa altura da vida, nós ainda poderíamos ter algo desse tipo? Que afinal ainda existe, sim, espaço para mudanças e entusiamos na nossa vida. E que nós ainda não estamos acabados nem física nem espiritualmente."
Além disso, são mais do que válidas as reflexões que o texto traz, sobre idade e solidão, sobre ideias pré concebidas de que idosos não têm mais vida e nem podem ter e em quanto sofrimento isso resulta. No livro, essas características se personificam em todos os habitantes da cidade e, principalmente, na figura de Gene, filho de Addie, que acha que a mãe "não tem mais idade para isso" e faz de tudo para que Louis se afaste dela.
Nossas Noites me conquistou por sua simplicidade, por tratar do amor em sua forma mais límpida, por mostrar como é importante viver sem se preocupar com outros e que há muito mais maldade no julgamento do que no fato em si.
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