Gisele @abducaoliteraria 01/02/2018"Chegamos até aqui porque não temos medo de rastejar. (…) É isso o que acontece quando se é forçado contra o chão por tanto tempo. Aprendemos a não temê-lo".E se eu te disser que Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é mesmo tudo isso que estão dizendo? E mais, esse livro representa tudo aquilo o que eu espero de um livro de fantasia escrito nos dias atuais.
Minha história com Ordem Vermelha começou na CCXP, com a minha surpresa diante de uma divulgação pesada e grandiosa; me senti nos arredores de Untherak diante da estátua da soberana, sob o seu olhar, porque para onde quer que eu fosse, Una estava lá, me observando.
A premissa despertou o meu interesse logo de cara, porque apresenta um mote que aprecio bastante. No início, existiam seis deuses que criaram todo o mundo e várias raças para usufruir e habitá-lo em total harmonia. Uma raça em especial, os humanos, começaram a prejudicar essa paz através de cobiça e inveja entre as espécies, desencadeando numa guerra sangrenta.
Decepcionados, os deuses resolveram revidar através de pragas e tragédias, destruindo aos poucos sua criação. O mundo se restringiu a uma única fração de terra habitável, cercada por um deserto denominado Degradação. Quando a guerra chegou ao estopim para os deuses, eles decidiram se unir como uma só figura divina e dar uma última chance às suas criaturas.
Com isso, Untherak é conhecida como a última região habitável do mundo, governada há mil anos pela deusa Una. Diante de um regime milenar tirano, opressivo e recheado de desigualdade, um grupo improvável começa a se formar afim de se rebelar e desbancar a soberana.
"Untherak era um corpo doente, como a maioria de seus moradores".
A apresentação do mundo se inicia de forma linear, com uma narrativa que exibe o mundo de forma precisa e empolga bastante. Até um terço do livro, apesar de estar gostando da apresentação do universo, eu estava um pouco preocupada. Todos que me acompanham sabe que um livro me conquista de verdade quando apresenta uma boa construção de personagens. E a princípio, eu senti falta disso.
Porém, no decorrer das páginas compreendi o que Felipe estava fazendo. Ele começou a nos apresentar a sua história com bastante calma. Primeiro, destacou a construção de mundo nos fazendo acompanha-la através do ponto de vista dos personagens centrais, que serviram como plano de fundo, nossos olhos para enxergar e entender como as coisas funcionavam. Por causa disso, os primeiros capítulos podem parecer um pouco densos e complexos, mas isso vai mudando conforme a história avança.
"O medo nos diz coisas que não ouviríamos em dias de coragem".
A variedade das raças foi algo que me agradou muito dentro deste universo. Aqui, você verá humanos, anões, sinfos, gigantes, kaorshs e gnolls, cada raça muito bem apresentada, com costumes e filosofia de vida. Os kaorshs em especial, foi a raça que mais me cativou. Bastante parecidos com os humanos, os kaorshs apresentam uma fisionomia esguia, mais alta e possuem a incrível habilidade de camuflagem.
Depois dessa introdução, comecei a me aproximar aos poucos dos personagens. E como vocês devem imaginar, já que deixei bem claro que adorei o livro, o envolvimento com eles aconteceu no tempo certo. A princípio nós acompanhamos a história através de dois pontos de vista diferentes. Aelian é um humano que trabalha no poleiro, local responsável por distribuir correspondências. Com o espírito aventureiro, ele cumpre com suas responsabilidades, mas dá seus pulos para escapulir de vez em quando para desfrutar de um pouco de liberdade. Já através do ponto de vista de Raazi, uma kaorsh, visualizamos os primeiros passos de um plano ousado e arriscado para derrubar Una.
Todos os personagens fundamentais tiveram uma boa exibição e desenvolvimento, apresentando facetas intricadas e reais. Alguns personagens foram melhor trabalhados do que outros, mas acredito que o autor ainda terá tempo e espaço para desenvolvê-los melhor. O mais interessante foi assistir à união de personagens tão diferentes um do outro, com diferentes graus de experiência e maturidade.
"De certa forma, a miséria acabou nos transformando em iguais, de uma maneira que Una jamais conseguiu".
Um dos meus personagens favoritos foi Ziggy, um sinfo de estatura pequena. Um personagem que exala inocência e fragilidade, mas que surpreende nos momentos mais precisos. Ele apareceu de forma despretensiosa, mas foi ganhando destaque e importância no decorrer da história.
Quando a história começa a se desenrolar, ela atinge um ritmo frenético, de tirar o fôlego. Se você é do tipo de leitor que gosta de testar o coração, se prepare para essa leitura. A história possui inúmeras reviravoltas, que chocam e fazem você enlouquecer. As cenas de luta e ação foram absurdamente bem descritas.
Acham que ainda dá para melhorar? Talvez um dos toques que mais me surpreendeu, foi encontrar a presença natural de diversidade e representatividade dentro da história. Um elemento que foi inserido com naturalidade e fez o livro dar um salto nas minhas considerações. Sem contar a presença de tantas personagens femininas guerreiras, fortes e inspiradoras.
"O tempo tem a capacidade de mudar tudo, exceto a si mesmo".
Quando finalizei a leitura, tive uma sensação incomum, como se tivesse lido um calhamaço - considerando a construção de mundo muito bem-feita, o desenvolvimento de personagens e os inúmeros acontecimentos que quase fizeram o meu coração parar. Mas não, o livro tem pouco mais do que 400 páginas, o que prova que Felipe Castilho soube preencher muito bem cada página.
Filhos da Degradação também oferece à nós, brasileiros, uma leitura especial. Várias críticas sociais estão inseridas de forma sutil e natural, que atingem em cheio, nos fazem refletir e comparar com a realidade em que vivemos.
E algo que não posso deixar de comentar, a edição está maravilhosa. Você nota que tudo foi feito com muito empenho e carinho, desde as ilustrações, da capa e do mapa - que estão lindíssimos - até a diagramação.
"Alguns infernos duram mil anos; outros, um dia. Mas nenhum é melhor que outro".
É com muita felicidade que posso admitir que Filhos da Degradação é sim tudo o que dizem, e muito mais. Conseguiu superar as minhas expectativas - principalmente através das particularidades. E sabe o que é ainda melhor? É nacional, de extrema qualidade e que mereceu toda a atenção que teve.
Então, se você for fã de fantasia, faça um favor a si mesmo. Leia. E por favor, depois venha conversar comigo. (PRECISAMOS FALAR SOBRE AQUELE EPÍLOGO). Felipe, quando sai o próximo?
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